As duas conchas (publicado originalmente em 19/11/2016)
Petra tinha 7 anos em 1990. Morava em Nova Iorque com a mãe e a irmã, Elena, 13 anos mais velha. No primeiro dia de dezembro daquele ano, Elena ingeriu várias aspirinas, tomou uma garrafa inteira de cachaça. No prédio, ninguém quis ajudar a socorrer a jovem. Levada ao hospital, morreu devido à forte intoxicação.
Elena era atriz e dançarina. A arte fervia em seu corpo. ‘Se eu não trabalhar com a arte, prefiro morrer’, disse. À flor da pele, a angústia contaminava-a. Não aguentou a pressão da vida. Em 2003, Petra, agora com a mesma idade da irmã naquele 1990, se matriculou numa escola pra ser atriz. ‘Minha mãe dizia que poderia trabalhar com qualquer coisa, menos ser atriz. E que podia ir a qualquer lugar, menos a Nova Iorque’, falou Petra.
Eram os traumas, as dores. E dores viram água no documentário ‘Elena’ (2012), dirigido por Petra e roteirizado por ela e Carolina Ziskind. Sensível, de energia vibrante e lacrimosa, o resgate das raízes do amor de uma irmã pela outra mostrado nas fitas antigas de família, além de gravações de áudio de Elena (ela não escrevia cartas – tinha vergonha de ter letra feia) revelam como se pode ter saudade e inspirar tanta poesia por meio de vídeos.
‘Queriam que eu te esquecesse, Elena’, diz Petra no filme. O arquivo pessoal exibe a caçula desde o nascimento, com a mais velha tendo todos os tipos de carinho possíveis com a recém-chegada. É de chorar. Elena Andrade decidiu ser artista aos 4 anos. Viajou aos EUA, fez vários testes, conheceu Coppola (cogitou-se a possibilidade de ela participar como figurante de ‘O Poderoso Chefão 3’, 1990).
Era intensa. Ao decidir mudar de país, deu uma concha a Petra e ficou com outra. ‘Quando você sentir a minha falta, põe essa concha no ouvido e você vai me escutar’. Este elo jamais se quebrou. Aos poucos, notamos que no documentário, Petra se transforma em Elena, e ela em Li An, a mãe, e vice-versa. Esta espécie de loção feminina perfuma o magnifico trabalho de Petra.
Narrado em sentido não-linear, mistura a poesia ao silêncio. Um pouco de Manoel de Barros, senti. Assim como os aromas de ‘Diário de Sintra’ (2008) de Paula Gaitán. ‘Elena’ vale cada minuto.