Geneton e a víbora (publicado originalmente em 24/9/2016)
Geneton Moraes Neto, um dos maiores repórteres que vi, nos deixou em agosto, aos 60 anos. Como diz Rolando Boldrin, se foi ‘fora do combinado’. Deixou como legado alguns ótimos documentários, e sobre um deles escrevo hoje: ‘Garrafas ao Mar: A Víbora Manda Lembranças’ (2013), sobre a história de Joel Silveira, também outro grande jornalista (cobriu a Segunda Guerra Mundial, entre 1944 e 45) brasileiro.
Neto juntou durante a carreira vários depoimentos e gravações de Silveira, sobre assuntos variados: desde Getúlio Vargas e suas mãos ‘de moça’ e Jânio Quadros até a frases eternas como ‘o jornalista deve ver a banda passar, e não acompanhar a banda’.
Não se trata de um produto com as imagens de arquivo e inserções típicas dos documentários comuns. Por meio de textos bem escritos, Neto passa ao espectador outras faces do rabugento e bravo Silveira, que morreu em 2007, 39 dias antes de seu 89º aniversário (se estivesse vivo, ontem, dia 23, faria 98 anos).
Joel conheceu papas, presidentes, jogadores, soldados, empresários. Trabalhou ao lado de Assis Chateaubriand, responsável pelo seu apelido de ‘víbora’, com o estilo ferino e impactante. Silveira era uma espécie de tutor de Neto, um guia, mestre, se assim podemos encarar.
Exibido pela Globo News, ‘Garrafas ao Mar’ é a intimidade do jornalista que foi à II Guerra aos 26 anos e voltou ‘com 40’, como escreveu no livro ‘Repórteres’. Vemos a casa dele, o quarto cheio de livros, e Joel já octogenário, imenso de gordo, barba branca rala etc.
‘Qual é a graça de alguém tocando cavaquinho? Fica aquele negócio de fi fi fi, fi fi fi’, balbuciava ele, para as risadas de Geneton e a trupe. A câmera de Geneton, aliás, era intimista. Levava o público a ver o entrevistado em supercloses, onde apareciam até os poros do nariz! Quem estava acostumado aos programas ‘Dossiê’, ainda na Globo News, sabia disso faz tempo.
Foram inúmeras, incontáveis e inesquecíveis entrevistas com gente que fez a história do Brasil e do mundo. Para Geneton, ‘produzir memória’ era o seu propósito no jornalismo. Ninguém dirá que ele não foi feliz nessa sua atividade. De Collor ao assassino de M.Luther King; de Maluf a Newton Cruz; de Marília Pêra a Orlando Senna.