O HOMEM NA ESCURIDÃO

Fui ao cinema com a mulher e um casal de amigos.

Fomos assistir o suspense "O homem nas trevas"; ou, como vi publicado, "O homem na escuridão".

O filme se passa em Detroit, hoje praticamente uma cidade fantasma, com muitos prédios e casas abandonadas e bairros inteiros vazios.

É um cenário gótico moderno.

Conta a história de três jovens, numa sociedade falida, sem perspectiva de futuro.

Arrombam casas, danificam as coisas e roubam.

Não usam armas, a violência parte do próprio comportamento criminoso.

Uma noite assaltam uma casa, onde mora um ex-soldado cego.

Segundo dizem, nela guarda muito dinheiro.

Não se preocupe, não vou contar a história inteira.

Até porque sei a metade, visto que o filme é muito escuro e nem sempre o espectador entende muito bem o que ocorre.

Uma falha do filme, porque o assalto seria melhor realizado com as luzes acesas; cego é só o morador.

Terminado o filme fomos comer uma pizza.

Enquanto bebemos uma cerveja, faço uma pergunta constrangedora:

____ Quem torceu para os ladrões? E quem torceu pelo cego?

Meus amigos pensam muito tempo antes de responder.

O que é uma surpresa, porque o correto seria torcer pela vítima do assalto.

No final respondem sim e não e discute-se isso e aquilo.

Durante a conversa, colocada as coisas como foram demonstradas no filme, muda-se muito de opinião.

Esse é o grande trunfo do filme.

Colocar em discussão o que vale mais: "a vida ou o patrimônio?".

Cito exemplo.

Meu amigo primeiro posiciona-se dizendo que é claro - "torceu pelo cego, vítima do roubo".

Relembro a ele um acidente de carro sofrida pela sua filha, onde sempre repetia: "o importante é que ela não sofreu nada; carro a gente compra outro."

Em resposta ele gagueja, para dar tempo de buscar argumentos, mas posiciona-se firme na defesa do patrimônio: "não é a mesma coisa".

O leitor dirá se concorda ou não se são situações semelhantes; a mim cabe a opinião que os jovens merecem ir para a prisão e não a morte.

E situação semelhante aponto as notícias diárias de mortes de jovens por furtos e roubos em nossas grandes cidades.

É um paradigma defender com unhas e dentes o "patrimônio".

Não é certo roubar.

Mas também não é certo que jovens morram porque foram em busca de lucro fácil.

Nos diálogos os jovens comentam saber que agem errado; iludem-se com o sonho de parar assim que juntarem dinheiro suficiente para mudarem-se para a Califórnia - terra das oportunidades e fugirem de Detroit, cidade sem futuro.

Para colocar um pouco de tempero no roteiro, o "cego vítima de assalto" não é nenhum santinho.

Pelo contrário, é um psicopata de guerra.

A vítima deixa claro que pouco importa o "seu" patrimônio; prefere gozar os tempos de guerra, quando podia matar licitamente.

No Brasil e em todo o mundo, as leis que defendem o patrimônio são mais numerosas, e na maioria das vezes mais rigorosas, do que as leis que defendem a vida.

É um traço do caráter do homem que reflete na sociedade e nas normas.

No final, devorada a pizza e bebida a cerveja, o desempate ocorre quanto ao final do filme.

Ninguém gostou.

Não que o final seja ruim.

É que sentimos que vítima e ladrão levaram vantagens indevidas.

Negociaram o inegociável.

É errado transigir sobre nossos valores morais e éticos e a vida dos outros e o patrimônio alheio.

Também não gostei do final, que teve gosto de derrota das virtudes.

Mas, também, não gosto do final de muitas coisas na vida.

Como por exemplo as negociações espúrias dos nossos políticos sobre o futuro de nosso pais e de nós todos.

Mas a vida é assim mesmo, cheia de negociações ilícitas, cheia de malandragem, de desonestidade e anti ética.

Gostemos ou não, é o mundo onde vivemos.

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Um abraço, obrigado pela leitura.

Setembro / 2016

Sajob