Os dez melhores de todos os tempos são mais de cem
Nacib Hetti
Eu sou de quando uma boa chinelada não era considerada crime hediondo. Doía menos do que ficar sem o matine de domingo no Cine Santa Tereza. Cinema era e continua sendo uma de minhas paixões. Com diretores da ACMinas, fui ao Cine Brasil, após as obras de revitalização, e me emocionei. Emoção pela saudade, um pouco diferente daquela sentida quando assistia lá as aventuras dos nossos heróis. O cinema foi reaberto com a exposição do painel “Guerra e Paz”, de Portinari.
Eu me lembro da primeira vez em que ousei sair do meu bairro e fui assistir meu primeiro filme em um cinema no centro da cidade. Minha mãe me deu um dinheiro, acho que 2.000 reis, para ir ao Cine Theatro Brasil assistir a “Tarzan e a Mulher Leopardo”. De lá para cá, minha paixão pelo cinema só aumentou. Nunca deixei de me deslumbrar com os bons filmes. Matava aula para ir ao cinema. Nos fins de semana da minha juventude, chegava a assistir a dois filmes no mesmo dia, correndo de um cinema para o outro. Perder os lançamentos nem pensar. Cheguei a me associar ao CEC (Centro de Estudos Cinematográficos), cuja carteirinha guardo até hoje com muito zelo.
Naquela época, ainda sem os shoppings, Belo Horizonte só tinha cinema de rua. No centro tinha o Cine Avenida, onde hoje é a ACMinas, o Metrópole, o Glória, o São Luiz, o Guarani, o Tupi, o Acaiaca. E muitos outros nos bairros, com destaque para o cine Pathé, que só passava cinema de arte. Mas, por alguma razão, o Brasil era o meu preferido. Nas reuniões com os amigos o assunto era o cinema. No CEC, com as discussões sobre os lançamentos dos filmes de arte, eu me sentia como um quase membro da Academia de Hollywood. Poucos sabem, mas Belo Horizonte produziu muitos críticos de cinema e cineastas respeitados no Brasil e no exterior.
Quando meu filho me presenteou com o livro “1001 filmes para ver antes de morrer”, eu tomei o maior susto: cerca de 800 eu já tinha assistido, sem contar mais uns 500 que não estão no livro. Citar os meus melhores diretores de cinema pode ser pedante, mas de alguns eu assisti a todos os filmes, sendo que alguns, por várias vezes. O acesso fácil aos filmes antigos e as reprises na televisão não tiraram meu fascínio pelo cinema, com algumas preferências evidentes. Um diretor norte-americano, ainda vivo, disse que todos os grandes filmes já tinham sido feitos até 1980. Acho que ele exagerou um pouco. Na minha modesta opinião uns dez a 15 feitos depois daquela data podem entrar no (meu) rol dos grandes filmes.
Quando alguém me pergunta quais são os dez melhores filmes de todos os tempos, eu respondo que são mais de 100. Quem consegue classificar os dez melhores filmes por ordem de qualidade artística tenta mostrar erudição. De minha parte, vou continuar revendo os bons filmes de antigamente, sem descuidar dos novos de qualidade que merecem minha atenção de saudoso frequentador do Cine Brasil, um dos templos dos sonhos dos jovens de todos os tempos.