Poesia em traços (publicado originalmente em 27/2/2016)
Se você ler este texto sábado, dia 27, saberá que a festa do Oscar é amanhã. Mas se deixar pra ler nos próximos dias, a coluna talvez esteja ultrapassada. Talvez não. Meus comentários sobre ‘O Menino e o Mundo’, longa-metragem de animação totalmente produzido e confeccionado no Brasil, figura nos finalistas da categoria. Bater ‘Divertidamente’ é uma tarefa de mouro e presumir chances reais à obra verde e amarela é tagarelar sem concluir.
A história atenta sobre desigualdades, justiça social e faz as denúncias pertinentes a uma trama tupiniquim. Mostra uma família (pai, mãe, filho) às vias de ficar desmantelada quando o progenitor precisa arranjar emprego fora de suas asas, parte à grande cidade a tentar a sorte. Desamparado e solitário, o garoto tece a imaginação até criar coragem possível para sonhar alto: arruma a mala. Atrás do pai, ruma a um paraíso às avessas.
Depara-se com inesperadas ocorrências e descobertas chocantes a uma criança: a exploração de trabalhadores, as moradias nas marquises, a pobreza em nível acachapante, a retração da natureza, enfim, todas as partes da Dirigido por Alê Abreu, ‘O Menino e o Mundo’ tem características que fazem o espectador querer dar vazão ao petiz escondido dentro de nós. Dono dum traço singelo e igualmente poético e gracioso, Alê nos conduz a uma viagem colorida povoada por sensações em preto-e-branco.
Em seu roteiro, várias são as sutis ironias ao establishment que nos rodeia 24 horas por dia. Os personagens são gente sem as expressões carismáticas no rosto, e os olhos são o que o garoto tem de mais significativo, sempre aguçados pela curiosidade e pelas recordações de uma família que provavelmente ele não mais verá.
Mesmo com alguns lugares-comuns, que de tão leves nem conseguem atrapalhar, o script nos vence, nos propõe reflexões acerca do planeta. Assemelha-se, por exemplo, ao curta ‘Ilha das Flores’ (1989), de Jorge Furtado. A alegoria é paralela, todavia noutra maneira de linguagem. ‘O Menino e o Mundo’ possui pitadas duma luta que se sabe praticamente perdida, mas com esperança, a última que morre.
Desenhado de forma artesanal, com, acredite, canetas Bic, ‘O Menino e o Mundo’ tem participações pra lá de interessantes na trilha sonora, como o grupo Barbatuques e do rapper Emicida. Os artistas de certa forma combinam com o lúdico da fita. Quem sai premiado da exibição somos nós, o público. Só não entende ‘O Menino e o Mundo’ quem é insensível, abusado.