Laerte dinamarquês (publicado originalmente em 30/1/2016)
‘A Garota Dinamarquesa’ (estreia daqui a um mês no Brasil) é um filme de fotografia bela e direção sóbria de Tom Hooper. As duas produções mais conhecidas sob a sua batuta, o premiado ‘O Discurso do Rei’ (2010) e ‘Os Miseráveis’ (2012) são densos, fortes, mas ao mesmo tempo, regulares, com zero de empolgação. Têm mais valor a técnica.
No caso do mais atual, o consagrador é a atuação de Eddie Redmayne. Ganhador do Oscar de Melhor Ator ano passado por ‘A Teoria de Tudo’ (14), concorre na festa do dia 28 de fevereiro, mas, tudo indica, deve perder para Leonardo DiCaprio, por ‘O Regresso’.
A história conta o real drama do pintor Einar Wegener. Nos primeiros anos do século passado, o seu pioneirismo por ser transexual abalou a Europa. A nova personalidade, Lili Elbe, foi a primeira a se submeter a uma cirurgia genital. Antes um pintor renomado, Lili resolveu abandonar a carreira e se dedicar a afazeres femininos.
Morreu em 1931, aos 42 anos, por complicações pós-operatórias numa cirurgia de transplante de útero. Até mudar de sexo foi casado com a também artista Gerda Wegener. O roteiro perpassa todo o sofrimento de Gerda em ver o marido indo embora com o surgimento de Lili. Em parte, a esposa o incentivou no começo, quando pensava ser somente um jogo de sedução as aventuras de figurino de Einar. Num determinado instante, ele usa a camisola dela.
Em outro, posa para que Gerda termine um quadro. Tudo se degringola porque para Einar isto é um complemento a uma autoestima modificada desde a infância. Após passar por vários médicos encontra um que lhe oferece a cirurgia definitiva. O script tem algumas falhas irrelevantes. Não compromete toda a trama.
Redmayne é Lili. A sueca Alicia Vikander (de ‘O Amante da Rainha’ – 2012) dá vida a Gerda. Está tão bem ou melhor que o parceiro. Hooper sabe trabalhar atores para tal dedicação e esta fita precisa de aprofundamentos especiais, principalmente falta de pudores. O desempenho de Redmayne não bate ‘A Teoria de Tudo’. Quase empata. Ele não é um canastrão, por exemplo.
Sabe trabalhar bem. Talvez o único senão seria a forma como o ator cumpre o papel. Deve-se tomar cuidado com, digamos, um excesso de ‘falsa meiguice’. Passa ao público a ideia torta de que o principal é nos tocar no sentido emocional, quando o objetivo é simplesmente dar vida a uma personalidade controversa, e bastante, à sua época. Compreender a importância deste ‘Laerte dinamarquês’ é espiar o mundo d’outra forma.