Filme de crise (publicado originalmente em 1/12/2015)
A crise está aí. Há um ótimo filme cuja estampa é a situação atual econômica. Refiro-me a ‘Dois Dias, Uma Noite’ (2014). Marion Cottilard (‘Piaf’, 2007) é a funcionária que foi afastada por conta de sua depressão. Prestes a voltar, recebe a notícia: por votação, operários optaram por ter um bônus de mil euros ao invés de reintegrá-la ao cargo. Angustiada, recebe o conselho do marido. A tarefa é árdua: ir atrás dos 16 colegas no fim de semana para fazê-los mudar de ideia. Não é fácil. Combalida, frágil e de emoção fraca, Sandra (Marion) chora em praticamente todos os momentos. Terá de se humilhar para tentar reaver seu posto. Com a ajuda do marido, percorre a cidadezinha belga e, um a um, fala de suas dificuldades, esperanças, desesperos e ansiedades. Situação conflitante em um mundo débil.
‘Dois Dias, Uma Noite’ vale pela protagonista. Marion parece querer nos testar e atua de forma quase excepcional, propositalmente. Não à toa, concorreu ao Oscar. Transformar o ambiente cada vez mais miserável de nosso tempo foi a função da fita, que consegue passar por cima da crise e centrar ações na aventura de Sandra. Esquecemo-nos de que ela tem o marido fiel, devotado, e nos concentramos em suas gotas de suor que servem como argumentos para aliciar os camaradas. Nas várias vezes em que tenta desistir, porém, é o companheiro quem lhe segura a mão e diz a ir em frente. O risco de o estresse de Sandra subir é grande. A moça descobre as tramas montadas pelo chefe para persuadir os empregados e vai à luta. O resultado me fez lembrar o desfecho de ‘Aconteceu Naquela Noite (1934).
Há quem veja semelhanças entre Sandra e Amy Kane, a personagem de Grace Kelly no bang-bang ‘Matar ou Morrer’ (52). Amy também precisa convencer o marido a evitar derramamento de sangue, mas, em vão. No caso da belga, ela precisa lidar com 16 cabeças distintas, 16 maneiras de agir, pensar e agir de novo, 16 índoles e caráteres etc. E a crise? O retrato de ‘Dois Dias, Uma Noite’ é a paisagem nossa de cada dia. Nada mais atual e comovente. Existem longas-metragens sobre igual tema e este, dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, soma. O momento de Sandra não é dos melhores e ela cai diante de informações acachapantes acerca de sua rotina na fábrica, como ‘não precisamos mais de você’ ou ‘o que 17 faziam 16 fazem bem’ etc. Ela ser do sexo feminino conta ponto nisto tudo.