O homem persistente (publicado originalmente em 17/11/2015)
A fotografia acinzentada, com boa trilha sonora e ótima direção de arte fazem de ‘Ponte dos Espiões’, que estreou no Brasil há quase um mês, um filme satisfatório e bem administrado. A parceria entre o diretor Steven Spielberg e o ator Tom Hanks novamente rende frutos. O primeiro, perito em montar cenários incrivelmente verossímeis, construiu uma Alemanha Oriental da década de 1960 de se fazer cair o queixo. O segundo, dos melhores profissionais do ecrã dos últimos tempos, dá um banho como James Donovan, advogado de seguradora posto numa ‘roubada’ durante a Guerra Fria (1945-1989): defender suposto espião Rudolf Abel (Mark Rylance) na justiça dos EUA, pra mostrar ao mundo que mesmo os inimigos têm direitos iguais e que Donovan, não tendo cargo no governo, seria ainda mais isento neste sentido. O advogado aceita, mas sabe das consequências. Como tem sucesso no seu feito e consegue impedir Abel de ir à cadeira elétrica, passa a ser mal visto no país, a ‘persona non grata’.
R. Abel, sempre que é posto contra a parede por James Donovan, mantem-se calmo. ‘O senhor nunca fica preocupado?’, indaga o advogado. ‘Isso ajudaria?’, retruca o prisioneiro. A conversa é permeada por jogos de olhares, onde qualquer desvio pode ser fatal. A parábola contada por Abel, sobre um tal ‘homem persistente’ (stoykiye chelovek, em russo), faz com que Donovan altere determinadas ideias sobre si próprio e os valores que determina à sua vida, principalmente quando percebe que até o seu filho está perturbado com situações de guerrilha, após ver na escola cenas da bomba de Hiroshima.
A história é verídica e ocorreu em meio a um confronto marcado pelo medo e desconfiança. A astúcia de J. Donovan pesou quando percebeu que poderia negociar a soltura de Abel por dois americanos: o piloto Powers (Austin Stowell) e o estudante Pryor (Will Rogers), capturados de maneiras diferentes pelos russos. Prático, pragmático e objetivo, Donovan é enviado a Berlim, que estava recém-separada e com o ‘Muro da Vergonha’ sendo erguido. As contradições entre um tratamento e outro ficam bem evidentes, e Spielberg acrescenta no script (elaborado pelos irmãos Joel e Ethan Coen) alguns clichês desnecessários. Ao forçar a análise do espectador da velha história de que ‘os EUA são os bonzinhos e a URSS é a vilã’, a fita perde pontos, mas nada que reflita na qualidade final. ‘Ponte dos Espiões’, de certa forma, lembra outro longa protagonizado por Hanks, apesar de o teor da trama ser totalmente oposto: ‘Estrada para a Perdição’ (2002), de Sam Mendes. O ator em ambos é sóbrio, rigoroso, sério.