Filme-exemplo (publicado originalmente em 7/7/2015)
Pol Pot reinou no Camboja de 1963 a 1979. Foi o período mais sangrento do país. Comunista,a nação mergulhou num mar vermelho que parecia não ter fim. ‘Os Gritos do Silêncio’ (1984) fala da busca do jornalista estadunidense Sydney Schanberg ao amigo Dith Pran, preso num dos campos de concentração e testemunha ocular dos genocídios praticados pelo governo. Trata-se de uma história verídica transportada à telona pelo diretor Roland Joffé com elenco que mesclou atores profissionais com amadores. Na pele de S.Schanberg esteve Sam Waterson. Na de Pran, Haing S. Ngor, cambojano de nascimento, médico refugiado nos EUA (em 1996, aos 56 anos, foi assassinado em sua garagem).
Em 1980, Schanberg –hoje com 81 anos –lançou o livro ‘A Morte e a Vida de Dith Pran’, onde narra a saga do seu amigo (D.Pran assistia-o durante as reportagens, como tradutor principalmente). Por meio das páginas Joffé confeccionou a trama, que contou no cast com John Malkovich e Craig T. Nelson. Na festa do Oscar de 1985, Ngor ficou com o prêmio de coadjuvante e o filme levou também as estatuetas de fotografia e edição. Concorreu a ator (Waterson), filme, diretor e roteiro adaptado. A fita tem pouco mais de duas horas de duração, mas elas voam. ‘Os Gritos do Silêncio’ foi o primeiro trabalho de H. S. Ngor no cinema. O ator ainda tem a marca de ser o único asiático a ganhar o troféu.
Tanto script como fotografia e direção de arte estão sublimes. As câmeras reinam absolutas nas cenas e se esforçam em mostrar todo o território cambojano. O calor e a alta densidade nervosa dão ao drama tons de sofreguidão. O que pode soar como ‘mexicanismo’ no longa-metragem possui a pintura de beleza trágica. Ngor nos passa o pavor e horror de ver e fugir de um lugar sedento de ódio e rancor. Joffé consegue extrair dos atores algo incomum nos filmes de hoje: coerência ao papel. Não é à toa que enxergamos transparência e verdade nas cenas, pois a dupla Waterson-Ngor teve química necessária. Os personagens, reais, colaboraram ao dar dicas e conselhos, o que ajudou e muito a fita.
O final feliz da busca do jornalista pelo auxiliar ao som da música ‘Imagine’, de John Lennon, retrata todo o amor de ambos, amor de amigo, diga-se, e fraternal ao extremo. Schanberg, ganhador do Prêmio Pulitzer, o mais importante do jornalismo, em 1976, por seus feitos no Camboja, era sim o espelho de seu país naquela época. Os EUA tinham acabado de perder a Guerra do Vietnã e Richard Nixon, presidente que renunciou ao mandato. O país estava machucado e o filme foi rodado durante a estadia de Ronald Regan (1981-89) no governo, um dos mais atravancados da história republicana, e no ano da eleição. Dar o ‘tapa de pelica’ com ‘Os Gritos do Silêncio’ não adiantou e veio a reeleição.