Manual da boa mesa (publicado originalmente em 16/6/2015)
Minha surpresa foi enorme quando eu percebi que nos 11 anos de coluna aqui no Diário de Jacareí, completados neste janeiro, não havia tecido comentários sobre um dos melhores, senão o melhor, filme de requinte e elegância, combinado com alta qualidade e referência na gastronomia e do bom paladar: ‘A Festa de Babette’ (1987). Se você se dedicar a ver apenas os 35 minutos finais da trama será recompensado com inesquecível cena do jantar, onde pratos variados são servidos para os visitantes da casa das irmãs carolas Martina (Birgitte Federspiel) e Phillipa (Bodil Kjer).
Porém, caso o espectador queira o recomendável, ou seja, ver o filme na íntegra, o seu deleite será estupendo. Adaptado de um conto de Karen Blixen e dirigido por Gabriel Axel, ‘A Festa de Babette’ narra a fuga da personagem-título (Stéphane Audran) da Comuna de Paris. Em 1871, ela chega a uma vila norueguesa, se emprega na casa de Martina e Phillipa, filhas solteironas de um pastor rigoroso, que havia morrido alguns anos antes. A única ligação de Babette com seu país de origem são os números que o irmão dela sempre joga na loteria e numa dessas a senhora conquista o grande prêmio.
Mas ao contrário do que possa parecer, a sortuda não pretende pegar a bolada e cair fora. Babette quer, sim, retribuir o carinho de Martina e Phillipa. Para celebrar os 100 anos do pastor, resolve fazer o ‘jantar’. Os simples moradores do vilarejo, convidados ao banquete, temem as consequências dos seus atos. A gula os fará maus? É claro que não. Ao sentarem-se à mesa e na medida em que os deliciosos quitutes são postos na mesa, os famintos saberão o que é comer bem. As doze pessoas ali estarão na prova dos nove. O tenente sueco, convidado de honra da abastança e um ex-paquera de Martina, é um dos que sentenciará os bons grados do evento.
Bebidas e comidas estão à vontade e o centro das atenções é exatamente o bom paladar. O tom soturno e sombrio que tem o local é revigorado com os cheiros maravilhosos que parecem até saltar da tela e invadir a sala onde você assiste a esta história. Representante da Dinamarca no Oscar de 1988 na categoria de filme em língua estrangeira, 'A Festa de Babette’ levou a estatueta sem sustos, além do Bafta, o ‘Oscar da Inglaterra’, no mesmo quesito. Conquistas merecidas para uma produção relativamente barata e desprovida de pretensões maiores.
Axel era bastante experiente ao rodar a fita. Estava com 68 anos e quase quatro décadas de carreira. Morreu há um ano, aos 95, em 9 de fevereiro de 2014. Stéphane contava 55 anos quando o convite ao longa chegou. Não parecia que tinha esta idade. Veterana, a atriz deu um banho em frente às câmeras de interpretação. Dona duma delicadeza de classe, conseguiu passar ao público o frescor.