Realidade na ficção (publicado originalmente em 2/6/2015)

Se você perguntar a qualquer sociólogo ou antropólogo a opinião sobre o filme ‘Pixote: A Lei do Mais Fraco’ (1981) a resposta soaria repetitiva ou analítica demais, no bom sentido. Pode-se falar do teor e da crueza do longa de Hector Babenco e em seguida já explorar o lado cidadão jogado às traças e sem o amparo necessário, quando se abordar o destino do protagonista Fernando Ramos da Silva. Com a certeza absoluta dos sociólogos e os antropólogos, ‘Pixote’ se enquadra num círculo vicioso brasileiro.

Basta uma única olhada pra que guardemos as imagens, os closes, roteiro de Babenco e Jorge Durán e atores amadores espetaculares em cena. O cineasta argentino-brasileiro, aliás, espelhou-se no não menos prodigioso Neorrealismo Italiano. Silva e os demais componentes da fita têm a sua inocência arrancada num símbolo inclemente do sistema educacional brasileiro. Passa pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, a extinta Febem paulista, o local desfiado a seco pelas câmeras de Babenco.

Todos os tipos de abuso, arbitrariedade, desonestidade e parcialidade estão ali. Meninos com menos de 18 anos fincados em sótãos, macambúzios e inertes, sem nenhuma expectativa de vida pela frente. Atores como Jardel Filho, Tony Tornado, Elke Maravilha e principalmente Marília Pêra escoltam os demais intérpretes e fazem de ‘Pixote’ obra-prima do cinema nacional, eleito por críticos estrangeiros um dos dez melhores filmes do mundo de 81. Não menos. A realidade na ficção quase sempre choca.

Como se sabe, Fernando Silva era semianalfabeto e tinha 13 anos quando foi escolhido para dar vida ao menino Pixote, morador de rua apreendido pela Polícia durante ronda e levado à Febem. O rapaz Fernando teve dificuldades para decorar textos de novela na TV Globo após o filme e foi dispensado. Seus irmãos o incentivaram a voltar aos crimes. Ele morreu em 1987, aos 19, assassinado pela polícia durante um roubo.

Até hoje o desaparecimento causa discussão e controvérsia. Agora de nada serve. Os que assistem a ‘Pixote’ costumam definir a trajetória de cinéfilo como ‘antes e depois’ de ter visto o drama. Eu o contemplei cerca de dez anos atrás, mais ou menos. Por esses dias percorri-o de novo. Impacta a cada olhada. Ser insensível aqui não cabe. Ainda preciso olhar ‘Quem Matou Pixote?’, de 1996, de José Joffily, sobre a estrada esburacada, mas atravessada como o raio, de Fernando Ramos da Silva. Era mais um do monte de garotos sem futuro, família, sem destemor. Fernando era Pixote?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 02/06/2015
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