Abujamra (publicado originalmente em 5/5/2015)
Sobre Antônio Abujamra, morto terça passada aos 82 anos, escrevi duas vezes neste espaço: foi em 2004 e 2005. Na primeira o assunto era ‘Provocações’, o programa que o consagrou. Na segunda, era a peça ‘A Voz do Provocador’, apresentada em São Paulo, que tive o privilégio de assistir. Ao término da apresentação, Abu, como era chamado por quase todos, saiu do palco, foi para a sala do teatro. Ali ficou sentado no sofá a espera dos fãs. Não cheguei perto. Olhei-o de longe. Eu temia ser espinafrado.
A história dele está encravada a das muitas artes. Passa fundamentalmente pelo teatro, chega à TV e inclui o cinema e a literatura, sobretudo a poesia. Ninguém declamava como Abujamra. Ninguém. O ‘Provocações’, comandado por ele desde 6 de agosto de 2000, é a prova disto. Quem não se emociona ao escutá-lo em ‘O Guardador de Rebanhos’, por exemplo? Santo YouTube. Eterniza de certa forma a infinidade de momentos do ator, diretor, apresentador, produtor e iluminador... Abu era multimídia.
Sabia de cor frases de filósofos, escritores, poetas, e as declamava como os poemas. ‘Tenho uma frase pra você’, costuma dizer, de vez em quando, a um convidado do ‘Provocações’. O arquivo de histórias também era recheado. “Uma vez encontrei o Silvio Santos nos corredores da Tupi e falei: ‘Silvio, para com essas bobagens que você faz! Isso nada acrescenta aos outros, só programa ruim.’. Hoje, ele está milionário e eu na sarjeta.” Claro, era exagero. A imolação, aliás, o caracterizava. Amava os fracassos.
Em 1989 conheceu a fama nacional na novela ‘Que Rei Sou Eu?’ ao dar vida ao bruxo Ravengar. Mas no mesmo ano faria, ao meu ver, o papel definitivo, e sem nome, no filme ‘A Festa’ de Ugo Giorgetti. Conquistou muitos prêmios tanto com um como com o outro. Neurastênico confesso, impelia os seus entrevistados na atração da TV Cultura. Quando Jô Soares o levou ao ‘Programa do Jô’, Abu deu um autêntico baile em cena. ‘Nós artistas – e incluímos você – somos especiais’, cutucou o provocador.
No teatro, reinou ao lado de grandes como José Celso Martinez Correa, Augusto Boal, Antunes Filho. Transformou o mau humor numa falsa carta na manga. Em 14 de fevereiro de 2013 morreu a esposa Cibelia, aos 77 anos. Talvez Abu tenha começado a desistir de tudo a partir de então.