Selma, 50 anos depois (publicado originalmente em 17/3/2015)
O ator Tom Wilkinson sempre trabalha bem. A forma como desenvolve os seus personagens, mesmo os menores, dá vida à história, seja ela qual for. É parecido com Frank Langella ou Bill Murray, com igual talento. Tudo o que toca vira ouro. É o caso de ‘Selma’ (2014), falsamente tido como a biografia de Martin Luther King no cinema. Na verdade, trata-se da marcha encampada pelo líder negro há 50 anos na cidade de Selma, no interior do Alabama, até a capital do Estado, Montgomery.
A proposta: ter direito eleitoral igual ao do branco. Poder votar nos EUA nos anos 60 não era para qualquer um. O jornalista Élio Gaspari publicou artigo na Folha de São Paulo em janeiro sobre a fita. Segundo ele, o ex-presidente Lindon Johnson, papel de Wilkinson, foi mal pintado na telona. Vemos o político de todas as formas tentando intimidar King. Não queria a marcha, pois atrapalharia o governo. Mentira, diz Gaspari.
Johnson foi a favor de enviar ao Congresso o projeto de igualar os direitos de votação. À parte disto, Wilkinson dá um show diante das câmeras. Quando aparece, engole David Oyelowo (M. L. King) sem fazer força. Lembrou-me Langella em ‘Frost / Nixon’ (2008), na pele do ex-presidente. De forma geral, ‘Selma’ é um bom filme. A diretora Ava DuVernay consegue, na medida do possível, controlar os nervos do elenco, sobretudo de Oyelowo. Ele não se parece com L. King. O ator parece se esforçar mais por saber da não semelhança, talvez.
A fama de ‘Selma’ passou longe da de ‘12 Anos de Escravidão’, melhor filme do Oscar 2014. Os pontos altos do longa são exatamente os embates entre Johnson e King. Como Wilkinson se sai melhor, a história fica torta, pois o alvo é o líder assassinado em 68. Aliás, o veterano deveria ter sido indicado a Melhor Ator Coadjuvante na festa do Oscar 2015.
Lidar com fatos históricos na sétima arte sempre é um problema porque o cinema romanceia o caso, ilustra na forma que bem entende e às vezes derrapa na maionese. Com ‘Selma’ essa teoria é válida a metade. Mas são poucas as mulheres que dirigem filmes em Hollywood. E, para ser feito, ‘Selma’ teve dinheiro da milionária Oprah Winfrey e França.
As coisas não mudam tanto assim em cinco décadas. Não à toa, Patricia Arquette disse o que disse na cerimônia festiva e obteve como respostas gritos de Meryl Streep a seu favor. Ninguém aguenta muito mais do jeito que está. A indústria tem de mudar.