Peripécias de um diretor (publicado originalmente em 27/1/2015)

Richard Linklater é um sujeito obsessivo pelo tempo. A trilogia ‘Antes do Amanhecer’ (1995), ‘Antes do Pôr-do-Sol’ (2004) e ‘Antes da Meia-Noite’ (2013) foi filmada, como se nota, com exatidão de nove anos sempre de diferença, com o casal Ethan Hawke e Julie Delpy. Vimos as transformações de ambos dos 24 aos 43 anos. As rugas, cabelos grisalhos, a aparência etc. Não bastasse isso, a outra façanha o cineasta se propôs: o projeto ‘Boyhood: Da Infância à Adolescência’ (2014). Trata-se de um longa que acompanha dos 6 aos 18 anos, de maio de 2002 a outubro de 2013, a vida de Mason (Ellar Coltrane). A cada ano, pelo menos uma vez, o elenco se juntava. De maneira trabalhosa, além dele e de Hawke, os atores Patricia Arquette e Lorelei Linklater (filha do diretor), os principais, estavam lá.

A história é amena, e praticamente trivial. As ‘aventuras’ familiares de Mason, os conflitos da mãe (Patricia, excelente) até certo ponto irresponsável com namorados problemáticos, o pai distante e carente, e a irmã muito adulta para a sua idade, são mostrados de forma desafetada e transparente. O interessante aqui não é tanto o roteiro, regular em seu todo, mas seguir as alterações corporais, de voz, e capilares, do quarteto, em especial Lorelei e Ellar. Linklater, com sua fixação, nos arrasta para o mundo de seus personagens e nos tornamos íntimos – as primeira paqueras, as rebeldias, as brigas desnecessárias, vícios, enfim, tudo o que há de comum na estrada de qualquer adolescente, seja ele de pais desquitados ou não. Sou fã de tramas assim, onde o simples impera e a conversa vence tudo.

‘Boyhood’, com Linklater a tiracolo, estapeia o cinema hollywoodiano atual, onde não existe o tempo nem a paciência a uma ideia deste naipe. As suas quase três horas de duração voam, e, clichê à parte, nem sentimos os minutos se esvaírem. As merecidas indicação ao Oscar 2015 provam, ou pelo menos tentam afirmar, que de certa forma a Academia ‘implora’ por trabalhos assim. Outro quesito a ser fixado é a definitiva abertura de porta a Linklater no clube dos grandes realizadores autorais. As histórias prendem porque convidam o público a refletir, discutir, pensar, sobretudo. Mason pena pra se adaptar durante toda a infância e adolescência – culpa da mãe atrapalhada, jovem. Trazer à baila o confronto das épocas instiga, convence. E brilha pela ousadia de ‘Boyhood’ querer ser bem diferente.

É claro que a trama não é inédita no sentido de esperar o tempo passar para filmar. Já citei as outras produções do diretor, além das fitas de François Truffaut desde ‘Os Incompreendidos’ (1959), em que o ator Jean-Pierre Léaud interpreta Antoine Doinel, feito repetido em outras cinco fitas, até 1979, por exemplo.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 27/01/2015
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