Espetáculo no ar (publicado originalmente em 20/1/2015)
O primeiro Oscar de melhor filme dado na história, em cerimônia realizada em maio de 1929, foi a ‘Asas’ (1927). Na verdade, o nome do então prêmio era ‘Melhor Produção’. Inexistia a de Melhor Filme. No Oscar seguinte, 1930, a Academia de Artes criou o quesito e nomeou o longa como sendo o ganhador número um de tal honraria. O perfeito ‘Aurora’ (1927), naquele Oscar, levou o de Melhor Produção de Qualidade Artística, o que hoje significaria, digamos assim, medalha de prata no pódio.
‘Asas’ é um primor do início ao fim. Quem amar cinema e tiver a paciência de dedicar pouco mais de duas horas de seu tempo para um filme mudo e em preto-e-branco (e são poucas as pessoas que têm esta paciência, infelizmente) – 2h24 ao todo – se deliciará com uma realização impactante e impressionante para a época. Ode à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a trama gira em torno de dois soldados que se alistam para serem pilotos dos Estados Unidos: Jack Powell e David Armstrong.
Powell (Charles Rogers) é um aventureiro cheio de vida, esperança, que nutre pela bela Sylvia (Jobyna Ralston) intensa paixão. Mas a moça nada quer com ele. Armstrong (Richard Arlen), sim, é a paixão dela. E é correspondida, sem Powell saber. E Mary (Clara Bow, estrela absoluta dos cinemas nas décadas de 20 e 30) é garota apaixonada por Powell, sem ter retorno devido a este amor. Rivais, os pilotos se tornam amigos na guerra. Sylvia some. Mary também se alista pra ficar perto do amado.
Os pontos fortes de ‘Asas’, sem qualquer dúvida, são as cenas aéreas. Isto mesmo. Rodada em 1926, quando aviões ainda eram experimentos quase desconhecidos do homem, o trunfo de Willian Wellman, o diretor, ex-piloto da I Guerra, foi a ousadia de fazer das cenas as mais verídicas possíveis. Imaginem a situação há quase 90 anos! Nos extras do blu-ray de ‘Asas’, num documentário, fala-se que Rogers teve aulas de pilotagem em ‘algumas tardes’ pra poder levantar voo e fazer as sequências!
Proposta impensável nos dias de hoje, o ator aceitou. ‘A cada cena terminada, quando descia do avião, Rogers vomitava. Porém isso não o impediu de seguir fazendo seu trabalho’, conta um dos entrevistados. Com Arlen a tarefa foi mais ‘fácil’, pois ele serviu como piloto no confronto bélico. Uns dublês também participaram das ações no ar e o resultado é um espetáculo como jamais vi antes na história do cinema. São sequências de tirar o fôlego feitas com as câmeras acopladas nas aeronaves...
Ambos os atores dão show em cena, Bow dá o tom emotivo ao drama. Gary Cooper, que mais tarde se consagraria como extraordinário ator ‘machão’, como em ‘Matar ou Morrer’ (1952), faz uma ponta em ‘Asas’. O filme é marcado ainda pelo 1o beijo entre homens (no rosto), quando Armstrong está agonizando. Powell fica ao seu lado. O clímax da história é na Batalha de Saint-Mihiel. Lá estão as inacreditáveis sequências dos aviões, as piruetas, enfim, o brilho de ‘Asas’. É um filme obrigatório.