O épico de hoje (publicado originalmente em 13/1/2015)
Quais são os ingredientes necessários para se esqueletar um épico? Ponha no caldeirão um bom diretor, longa duração, batalhas campais, efeitos especiais a esmo e milhares de figurantes, os chamados ‘extras’. Tudo isto junto, mistura-se a um roteiro pré-conhecido, às vezes pouco engenhoso e interpretações corriqueiras. O resultado pode ser sagas memoráveis como ‘Ben-Hur’ (1959) ou ‘Os Dez Mandamentos’ (1956), até ‘Gladiador’ (2000) ou dar receita furada, que faltou pouco pra o gosto ficar no ponto, como ‘Noé’ e o recém-lançado ‘Êxodo: Deuses e Reis’ (ambos de 2014). Notem: quero dizer que os dois últimos não são completos desastres, mas há vezes em que o espectador quer mais.
‘Êxodo’ é dirigido por Ridley Scott, o mesmo do ‘Gladiador’ citado antes, e conta a história de Moisés, o pastor de ovelhas príncipe do antigo Egito que descobre ter raízes hebraicas. Christian Bale (da nova trilogia ‘Batman’) está na pele do protagonista e por não ter tido que se submeter aos testes físicos de outros trabalhos (engordou para fazer ‘Trapaça’ – 2013 e emagreceu antes a ‘O Vencedor’ – 2010), quando foi bem, desgasta a sua imagem de ‘new galã’ numa fita sinceramente descartável. Nas duas horas e meia, o que vemos são sucessões de lutas de espadas que soam como falcatruas pesadas e cenas onde eu pensava ver uma coisa e acabei vendo outra. E a abertura do mar é a principal delas.
O antagonista é Ramsés (Joel Edgerton), o faraó egípcio que assume quando o pai Seti (John Turturro) morre. No longa estão as pragas do Egito, os conselhos de Deus (o menino Isaac Andrews) a Moisés e o mar vermelho. A feitura do exército judeu, a amizade de Nun (Ben Kingsley, de ‘Gandhi’ – 1982), que lhe desvenda o segredo de sua família, e, finalmente, a abertura das águas. Para quem assistiu a ‘Os Dez Mandamentos’ sabe como o diretor Cecil B. DeMille se esforçou junto com a sua equipe a elaborar a cena. Toda a beleza da fita dos anos 50 é aniquilada com a ‘proeza’ de R. Scott em escoar a água como que para o esgoto. Depois, claro, o computador toma conta para a onda gigante.
Nesses épicos do século 21, cada vez mais os diretores têm menos importância. Aliás, atores têm menos importância. E, no caso do 3D, e ‘Êxodo’ pode ser visto na versão em terceira dimensão, os ingredientes são meros coadjuvantes. Em 3D a fita não tem quaisquer surpresas. É uma pena que as pessoas insistam em querer espremer cada vez mais a laranja. Não há lado a apertar porque tudo já foi usado, o caldo nem pingando está. Quando as produtoras apostam no filão como o de ‘Êxodo’ e ‘Noé’ querem atingir o público adolescente, principalmente. E as redes de cinema, claro, colocam-no nas programações. Atrai gente, mas cadê a responsabilidade de formar o novo público crítico, tenaz?