Sem dizer adeus jamais (publicado originalmente em 2/12/2014)
Roberto Gomez Bolaños era sabiamente um ator de comicidade e, maior ainda do que o seu talento de interpretar, estava o de escrever. Antes de estar em frente das câmeras, ele era roteirista e o seu legado ficará aí. Engenheiro de formação, o artista conquistou tanta fama com os escritos que os colegas o apelidaram de Chespirito, o ‘pequeno Shakespeare’. O 1,60 metro nada significou perto da magia e da ternura que conseguiu levar aos fãs principalmente com o eterno personagem Chaves.
Bolaños, como Chaplin, moldou a criação pela simplicidade e por poucas palavras. Transferiu a fome para a parte engraçada da vida e fez disto seu chamariz. Todos nós tínhamos dó do Chaves, mas a cada provocação do Quico por causa de comida, dávamos risada porque brincadeira de criança a gente tolera. Adultos no papel de crianças. Poderia soar ridículo. Esta foi outra tarefa cumprida por ele, e a ‘astúcia’, palavra que aprendemos com Bolaños, foi determinante para o retumbante sucesso.
Chaves, Chapolin, Doutor Chapatin, Xaveco, Chompiras... Roberto Bolaños usou as criações para falar de assunto sério. Abordou a Cruz Vermelha, por exemplo. Ousou para levar à tela histórias clássicas, é claro, do modo Chespirito de ver as coisas. ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, ‘Cyrano de Bergerac’ e ‘Minha Querida Dama’ foram alguns adaptados por ele. As crianças, por osmose talvez, ficaram com aquelas tramas na cachola. Chaves não era também cultura. Era, sobretudo, meiguice.
O trunfo é a admiração de Bolaños pela criança pobre. Todos os dias vemos Chaves nos sinais de trânsito, encostados nas ruas, nas reportagens dos noticiários. E com Chapolin, como ele mesmo disse, aprendemos a nos virar sem superpoderes, pois ninguém os tem. O herói colorado tinha medo de quase tudo, era covarde e enrolava até não poder mais para resolver as pendengas. A arma, uma mera marreta, biônica, diga-se, não matava, não arrancava pedaço e não machucava o ser humano.
Conseguiu juntar um grupo de atores inquestionável. Carlos Villagran, um ex-fotógrafo, era o Quico; Ruben Aguirre, um ex-administrador de empresas, era o Professor Jirafales; Edgar Vivar, um ex-médico, era senhor Barriga; lenda Ramón Valdez (seu Madruga), Florinda Meza (dona Florinda), Angelinez Fernández (Bruxa do 71), Maria Antonieta de las Nieves (Chiquinha). Ali, diferente do que ocorre nas trupes, cada um tinha seu carisma específico. Uns mais, outros menos, porém de talento.
Quando ‘Chaves’ estreou aqui eu tinha 2 anos. Cresci vendo os programas. Virei fã. Tinha-o como referência. Ri alto de determinadas cenas. Tive vontade de chorar com outras. As pessoas que nada entendiam, analisavam-no como brega, sem graça, simplório, desprovido de ‘efeitos’... A tolice não tem chão. E como dizia o trecho da música do episódio de Acapulco, ‘prometemos despedirmos / sem dizer ‘adeus’ jamais / pois haveremos de nos reunirmos / muitas, muitas vezes mais.’ Pi pi pi pi.