Não sou Pangloss (publicado originalmente em 28/10/2014)
O ditado é: o ruim pode piorar. Fato. Semana passada, estreou por aqui ‘Drácula: A História Nunca Contada’ (2014). Feito 100 % por estreantes – o diretor Gary Shore e os dois roteiristas Matt Sazama e Burk Sharpless – e baseado no clássico de Bram Stoker, o filme conta a vida de Vlad, o tal guerreiro da Transilvânia, antes de ceder às tentações do Mal para ter poder suficiente para derrotar os turcos, inimigos ferozes de sua terra, com quem tiveram batalhas épicas. A evitar que a população fosse massacrada, o rei local aceitou entregar aos turcos centenas de crianças. Entre elas estava o seu próprio filho, Vlad (Luke Evans), que aprendeu com eles, turcos, arte de guerrear. Logo Vlad ganhou fama pela ferocidade nas batalhas e por empalar (fincá-los em estacas grandes, pelo meio do corpo) os derrotados. De volta à Transilvânia, onde é nomeado príncipe, Vlad governa em paz por 10 anos. Só que o rei Mehmed (Dominic Cooper) de novo exige que 100 crianças sejam entregues aos turcos. Vlad se recusa e inicia nova guerra. A vencê-la, recorre a um ser das trevas (Charles Dance) que vive pela região. Após beber o sangue dele, Vlad se torna vampiro e ganha poderes sobrehumanos. Mas se conseguisse evitar a sede de sangue por 3 dias, voltaria ao seu estado normal. E Vlad cai em tentação.
Desde ‘Nosferatu’ (1922), longas-metragens acerca do monstro com dentes pontiagudos são mais comuns do que areia na praia. O cinema viu surgir mitos como Bela Lugosi em ‘Drácula’ (1931), tema desta coluna algum tempo atrás, e as adaptações de porte fulgurante como a feita pelo diretor Francis Ford Coppola em 1992 (‘Drácula de Bram Stoker’, ganhador de 3 Oscars). Esta, de Shore e a sua trupe, é um desperdício de tempo como há muito eu não via. A película é baseada nestes atuais roteiros de batalhas extraordinárias que não me agrada em nada. O resultado é bem constrangedor.
No elenco, Evans é conhecido por ter rodado dois ‘Velozes e Furiosos’, Cooper participou de ‘Mamma Mia’ (2009), Dance, que usa a maquiagem vergonhosa como o Mestre dos Vampiros, teve uma participação pequena em ‘Scoop: O Grande Furo’ (06), de Woody Allen, e a bela Sarah Gordon, que dá vida a Mirena, a esposa de Vlad, fez ‘Cosmópolis’ (2012). Fita fraca de igual cast. E mesmo em detalhes importantes, como figurino, direção de arte e os efeitos especiais, assim como a fotografia, o esmero é limitado. Nada tem a acrescentar à história da sétima arte, e essa nem é sua intenção aqui.
‘Drácula: A História Nunca Contada’ erra nas disciplinas História e Geografia e o único fato comum entre este filme e a obra de Bram Stoker é o nome do autor nos créditos de roteiro. Exemplos de decepções escolares e de script relacionado à situações cabíveis saltam bem à vista. Número um: no século XV, onde se passa a trama, Turquia não existia, e sim o Império Otomano. Dois: Vlad não era chefe da Transilvânia, mas de Wallachia. Três: a população local inteira é guardada, notem, num monastério quando turcos avançam. Seria algo como se pusessem joias em uma caixinha de músicas. Quatro: Mirena despenca de uma altura incrível e consegue balbuciar algumas palavras ao marido, ou seja, apesar do corpo frágil, delicado, sobraram forças à Mulher Maravilha. Cinco: por fim, Vlad (toda vez que ouço o nome lembro-me de Ney Latorraca na novela ‘Vamp’, 91) mais parece o super-herói de história em quadrinhos, e não o ser sombrio que deveria, pelo menos, conservar a tradição dos tempos, dos livros, dos desenhos, das imaginações de outrora. Porém, ninguém está preocupado.
Por esses dias, li ‘Cândido Ou O Otimismo’, de Voltaire. Ali, para quem conhece a história, o protagonista passa por poucas e boas na vida e sempre lega a Pangloss, o seu tutor, o pensamento de que tudo está ‘o melhor possível’ no dia a dia. Esse valor de enxergar o lado bom das coisas é válido em determinados pontos. Cândido passa imagem de que o bom samaritano segue a rotina do mestre Pangloss. Assim como a Pollyana, aquela personagem do ‘jogo do contente’. Não sou assim. Pego em lanternas e eu nada vejo... E este ‘Drácula: A História Nunca Contada’, de 2014, é um filme péssimo.