30 anos sem Truffaut (publicado originalmente em 21/10/2014)
Hoje, precisamente, vamos lembrar de François Truffaut, cineasta francês. Trinta anos atrás, em 21 de outubro de 1984, ele morria na comunidade de Neuilly-sur-Seine, em seu país natal, devido a um tumor cerebral. Tinha apenas 52 anos. Em compensação, deixou uma vasta história de mais de duas décadas de carreira, com dezenas de filmes, centenas de artigos a revistas especializadas, dentre elas a mítica ‘Cadernos de Cinema’, onde, aliás, praticamente iniciou na profissão de crítico, em 1953.
Nascido em Paris, Truffaut teve vida amarga até a idade adulta. Não conheceu o pai biológico e a mãe o rejeitou. Criado pelos avós, teve no avô a imagem da rigidez e disciplina militar e na avó o lado das artes. Ela o incentivou na paixão pela literatura e música. Aos 10 anos, no entanto, perdeu a avó. Foi morar com a mãe, casada com o arquiteto Roland Truffaut, de quem herdou o sobrenome. E rechaçado por ambos, o pré-adolescente François se tornou uma pessoa insurgente e problemática.
Demorou nada para ele iniciar na estrada dos pequenos furtos. Na escola ia mal, fugia pra ver filmes com o amigo Robert Lachenay. Estas tais peripécias o inspiraram a rodar seu primeiro longa-metragem, o afamado ‘Os Incompreendidos’ (1959), totalmente autobiográfico e, por isto mesmo, de carga sentimental ao extremo. Aos 14 anos, abandonou as classes, passou a ganhar dinheiro com uns biscates e seguia nos furtos. Em 1947, fundou o cineclube ‘Círculo de Cinema’, fechado meses depois.
Neste ínterim, conheceu André Bazin, famoso crítico de cinema francês – 14 anos mais velho que Truffaut. Bazin o ‘adotou’ e levou o futuro fundador da ‘Nouvelle Vague’ a mudar a sua vida em 180 graus. Truffaut via 3 filmes por dia e lia 3 livros por semana. A mamata vinha de um acordo com Roland, que custearia isto caso o jovem arrumasse trabalho estável e saísse do cineclube de Bazin. O aperto de mãos durou pouco. O arquiteto internou-o num reformatório juvenil cuidado pela polícia.
Aos 18, fora ao internato, emancipado pelos pais e novamente aos cuidados de André Bazin, Truffaut começou nas críticas de fitas – o primeiro texto foi sobre ‘A Regra do Jogo’ (1939). A mente de Truffaut era instável e após algum tempo, sem ninguém entender, largou tudo para se alistar nas Forças Armadas Francesas. Claro, se arrependeu logo e tentou escapar. Foi preso. Quem o salvou de novo? Sim, Bazin. Em 52, foi morar com a família dele. Estava desempregado e se tornou freelancer.
Faltava pouco para Truffaut deslanchar. Em 1951, a revista ‘Cadernos de Cinema’ foi lançada por Bazin e um grupo de cinéfilos. Dois anos mais tarde, o ex-jovem problemático entrou para o time de colunistas e em seu primeiro artigo deu o que falar: ‘Uma certa tendência do cinema francês’ teve repercussão grande. Em seis anos na publicação, o cineasta escreveu 170 textos e entrevistas com os diretores, que se tornariam seus bons amigos, como Jean Renoir, Max Ophuls e o Roberto Rossellini.
O conceito de ‘filme autoral’, criado por Truffaut, caiu como bomba no meio dos cinéfilos. Pra ele, Alfred Hitchcock era exemplo maior da teoria, cujo mote era considerar as películas como obras individuais, na maioria das vezes de diretores, assim como ocorria na música e livro. O fio do novelo do ‘cinema autoral’ conduziu para a ‘Nouvelle Vague’, com produções intimistas e de custo baixo. E a primeira história veio com ‘Os Incompreendidos’. Daí à frente, F. Truffaut reinou ao lado de Godard.
Truffaut teve de aprender a caminhar sozinho aos 26 anos, quando seu mentor Bazin morreu vítima de leucemia aos 40, em 1958. Porém, andou bem. ‘Jules e Jim’ (1962) consolidou a carreira do diretor, que por vezes se transformava em roteirista, produtor e ator, este último em, por exemplo, o cult ‘Contatos Imediatos de Terceiro Grau’ (1977), de Steven Spielberg, um fã do francês. Outro filme grande de Truffaut foi ‘Fahrenheit 451’ (66), como ainda ‘O Último Metrô’ (80) e ‘De Repente, num Domingo’ (83). Em 1973, por ‘Uma Noite Americana’, recebeu a única indicação ao Oscar de diretor.