Já vi esse filme (publicado originalmente em 7/10/2014)
Os burburinhos a respeito de ‘Garota Exemplar’, desde a semana passada em cartaz por aqui, eram os melhores possíveis. Li críticas em jornais e internet e a maioria, pra não dizer 100% mesmo, era a favor do mais novo trabalho do talentoso diretor David Fincher, realizador das pérolas ‘A Rede Social’ (2010), ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’ (2008), ‘O Quarto do Pânico’ (2002), ‘Clube da Luta (99), ‘Seven: Os Sete Pecados Capitais’ (1995), ‘Zodíaco’ (2007) e ‘Os Homens que não Amavam as Mulheres’ (2012). Como se vê, o plantel de grandes obras faz dele o Midas. Agora não é diferente.
‘Garota Exemplar’ é o melhor momento da carreira de Ben Affleck. De longe. Apesar de eu o considerar um ator limitado, nesta fita está de bom tamanho... Ele é Nick, um jornalista falido cuja vida se transforma de um dia pro outro com o suspeito desaparecimento da doce esposa Amy (a atriz Rosamund Pike). O relacionamento não andava bem. As faltas de dinheiro, de cumplicidade estavam dando as cartas e o casal estava a beira do divórcio. Quando ela some, revelações vêm à tona e, claro, Nick se torna principal suspeito. A história é baseada no livro de Gilliam Flynn, que assina o roteiro.
Antes de ver o longa já o tinha visto, suspeitava eu. Lembrei-me de ‘Risco Duplo’ (1999), um destes blockbusters que acabam esquecidos com o passar dos anos. Tem Tommy Lee Jones na cabeça do elenco e é uma trama de suspense empolgante mais ou menos sobre o mesmo assunto de ‘Garota Exemplar’, porém com a situação oposta: quem sai do mapa é o marido – e a esposa é a incriminada.
Fazer o papel de ‘spoiler’ não é meu negócio e, portanto, me recusarei a informar se ambos os filmes se equivalem. Apenas o que me atrevo a escrever é que Fincher tem grife e soube bem fazer e montar um belo trabalho. Rosamund domina totalmente as cenas e engole o restante do cast. Fez-me recordar de Bette Davis em ‘O que Terá Acontecido a Baby Jane?’ (1962), pois sua personagem Amy também passou toda a infância sob os holofotes da fama – seus pais, escritores, fizeram fortuna com livros infantis ‘Amy, a Garota Exemplar’, e ela cresceu atormentada com esta fama, de ser ‘certinha’.
Flynn e Fincher têm o objetivo de tecer críticas acidíssimas ao showbiz, que se transformou, e o mundo de hoje, com programas de tragédias espalhados pela programação da TV e a insuportável onda dos selfies, fotografias tiradas com os celulares, e das redes sociais. A partir do instante em que é anunciado o sumiço da ex-estrela infantil, o circo das câmeras e microfones se abre pra declarações demagógicas e baseadas em falsidades, características representadas por uma apresentadora de alto teor sensacionalista, que imediatamente anuncia, sem papas na língua: ‘Nick assassinou sua esposa’.
As confusões criadas pelo próprio Nick o enrolam cada vez mais no caso. A rede de mentiras o envolve em uma teia de difícil liberdade. Como provar que não matou a parceira? Como provar que ela está viva? Ou como encontrar a pessoa que tirou a vida dela? Estas perguntas recheiam o enorme caos em que o cotidiano do ex-repórter, dono de um bar após a falência, se transforma. Com a ajuda da irmã gêmea Margo (Carrie Coon), Nick costura um plano em que pretende provar a inocência. O risco é grande, pois no Estado em que o ‘crime’ foi cometido, Missouri, há pena de morte por injeção letal. A desintegração do casamento é outro ingrediente desconfortante da trama que Fincher expõe.
Gostar de histórias que fazem pensar é um atrativo e tanto nestes dias em que a sétima arte é descambar para a bobeira no sentido literal da palavra. E 2014 tem sido um ano péssimo. Talvez por conta disto, ‘Garota Exemplar’ esteja supercotado às principais categorias do Oscar 2015, dentre elas filme, diretor, roteiro adaptado e atriz. É provável que empurrem Affleck aos finalistas de ator, mas o desespero ainda não chegou a este ponto. A sensação de ‘já vi esse filme antes’ me consumiu durante a exibição de ‘Garota Exemplar’. E como citei, ter grife é a chave-de-ouro para o sucesso retumbante.