Não deu certo (publicado originalmente em 29/7/2014)
Algumas semanas atrás tratei aqui do ostracismo em letras maiúsculas no qual Woody Allen mergulhou em meados da década de 1990, até meados da passada. O mote foi ‘Dirigindo no Escuro’ (2001), tropeço aceitável do cineasta.
Cinco anos antes, em 1996, ele rodou ‘Todos Dizem Eu Te Amo’ com atores de primeira grandeza que estavam, coincidentemente ou não, prestes a atingirem o cume como profissionais. W. Allen reuniu, por exemplo, Julia Roberts, Drew Barrymore, Alan Alda, Goldie Hawn, Edward Norton e a graça de Natasha Lyonne, e, num script de muitos personagens principais, expôs todo seu amor pela carência, não pelo romantismo.
‘Todos Dizem...’ pretendeu ser um musical desleixado de propósito (atores cantavam as músicas, sem dublês e play back, com exceção de Drew, que conseguiu convencer o diretor de que tinha mesmo a voz ruim às canções). Atingir este objetivo ele atingiu, mas a qual custo: deu-me a impressão de que aquilo foi feito ‘por fazer’, com sequências e efeitos à mercê de comentários discrepantes e tolos. Em ‘Todos Dizem Eu Te Amo’, mais do que em ‘Dirigindo no Escuro’, Woody Allen consegue se embananar nas pernas e arrasta com ele seu público.
O longa mistura algumas pequenas tramas, que, óbvio, se entrelaçam. Allen é Joe, escritor de fama, mas solitário. Com Steffi (Goldie) teve a filha DJ (Natasha), a narradora da história. Mas agora Steffi está casada com Bob (Alda) e têm outra filha, Skyllar (Drew). Esta é apaixonada por Holden (Norton). Eles são uma família riquíssima e moram em Manhattan, cartão-postal de quase todas as fitas de Allen.
Vivem bem felizes até que Steffi, aficionada por amparar as obras de caridade, direitos humanos etc, leva Charles (Tim Roth) ao jantar de fim de ano da família. Charles é um ex-detento, há anos não vê mulheres e está muito perturbado. A presença dele desestabiliza a paixão entre Skyllar e Holden e quase estraga a paz e harmonia do apartamento enorme. Praticamente ao mesmo tempo, o não menos atrapalhado Joe vai a Veneza tentar se inspirar para escrever. Lá conhece Von (Julia).
A filha DJ o auxilia pra que a conquista vingue. Dá tão certo que Von pensa que conheceu o homem dos seus sonhos. Talvez tenha de fato. Porém, o rumo deste romance de linhas tortas tem dia e hora a se encerrar. A moral de que não se deve levar o caso a base de mentiras se esfacela como grãos de areia.
Na verdade, a insistência (e teimosia, pode ser) de Woody Allen se obrigar a fazer pelo menos um filme por ano faz com que tudo se misture e se ache que 100% dos trabalhos dele são como estes medianos. É o desastre na mira correta. Fiquei constrangido com determinados números musicais de ‘Todos Dizem...’, dentre eles o do próprio Allen.
É bom lembrar a participação de Natalie Portman. No mesmo ano ela havia interpretado Taffy, a filha de Jack Nicholson em ‘Marte Ataca!’. Aos 15 anos, a atriz fez seu quarto papel no cinema em ‘Todos Dizem...’. Liv Tyler e Tracey Ullman participaram do filme, mas as suas cenas foram cortadas na edição final. A película fixou a estreia de Woody Allen nos musicais. Ele não rodou mais histórias deste tipo. É a prova de que a experiência não valeu tanto.
Outra questão importante para esta época, todavia na vida pessoal do diretor e roteirista: foi exatamente em 1996 que Allen anunciou a quem quisesse ouvir que estava junto com Soon-Yi Previn, filha adotiva de Mia Farrow, esposa dele até 1992. O escândalo atingiu níveis estratosféricos, e ainda nestes tempos atrás ameaçavam respingar na carreira do cineasta, com denúncias de pedofilia.
Com a cabeça em polvorosa, ele teve de ver ‘Um Retrato de Woody Allen’ (97), documentário dirigido por Barbara Kopple que acompanhou banda na qual o ator-diretor é membro, ser lançado. A intimidade exposta nas telonas denunciava o que ‘Todos Dizem Eu Te Amo’ cravava: W. Allen sempre foi o falso romântico. A carência o impregnava e o impregna até hoje. Nas realizações, perceba, os personagens interpretados por ele são inseguros, necessitam ser amados a qualquer custo e são estabalhoados. A impressão que fica é a do antidestemido. Allen é craque em se defender com timidez e o nervosismo.