A anistia (publicado originalmente em 15/7/2014)
O dia 16 de julho de 1950 está para o Brasil assim como o 8 de maio de 1945 aos alemães. Ou estava, pelo menos, até 8 de julho passado. Amanhã se completam 64 anos do tal jogo Uruguai 2 x 1 Brasil, no Maracanã. A final da primeira Copa do Mundo realizada em terras tupiniquins mostrou 11 jogadores eternos. De Barbosa, goleiro-culpado, a Ademir Menezes, o centroavante-queixada, o time, na época, de uniforme inteiramente branco, perdeu em casa. Quase quatro décadas após a derrota, o jornalista Geneton Moraes Neto teve a ideia de entrevistar o escrete comandado pelo técnico Flávio Costa, um por um. Ouvir os seus depoimentos seria imprescindível àquele instante, em 1986 e 1987.
‘Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos’, então, se transformou em um documentário de primeira linha. Geneton, de microfone e gravador em punho, sem câmeras, captou as frustrações, as decepções, as revelações, as angústias, as tristezas, os pavores, os nervosismos, enfim, o sentimento geral da seleção que havia encantado o país durante o torneio ao golear, por exemplo, a Espanha e a Suécia por, respectivamente, 6 a 1 e 7 a 1. Baseado no poema de Walt Whitman ‘Comício a Favor dos Náufragos’ (‘Vivas àqueles que levaram a pior! / E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! / E a todos os generais das estratégias perdidas! / Foram todos heróis!’), o filme detalha as maneiras de se encarar uma derrota inexplicável. Com participação de Paulo César Pereio, Chico Diaz, Milton Gonçalves e Cláudio Jaborandy, podemos encarar, finalmente saber o que ocorreu com os jogadores.
Barbosa, Augusto, Juvenal e Bauer; Danilo, Bigode, Friaça e Zizinho; Ademir, Jair e Chico. A escalação que entrou em campo naquele 16 de julho foi vista por 200 mil pessoas que abarrotaram o Maracanã. Senhoras, senhores, jovens e crianças estavam prontos a gritar ‘Campeão!’ após todos os 90 minutos passarem. De fato, Friaça, aos 2 minutos do 2º tempo, abriu o marcador: Brasil 1 a 0. E é bom lembrar: pelo sistema da Copa de 50, o quadrangular final, bastava a seleção brasileira empatar para erguer a taça. Porém, a alegria durou pouco. Aos 21 minutos, Schiaffino igualou o jogo: 1 a 1, e o resultado ainda dava título ao Brasil. Aos 35, o balde d’água fria. Ghiggia fez 2 a 1 Uruguai. Era o fim.
Barbosa e Bigode, considerados os maiores culpados, falaram a Geneton. O segundo foi mais arredio e só aceitou abrir a boca após ser convencido por Ademir Menezes. O jornalista da TV Globo e Globo News conseguiu histórias fantásticas. Por exemplo: o que fizeram os atletas logo depois de o árbitro apitar o final da partida? Bauer retornou a São Paulo deitado no chão de um trem. Friaça saiu do estádio e, nem ele sabe como, foi parar debaixo duma árvore em Teresópolis. Zizinho confessou se comunicar por telepatia com Obdulio Varela, capitão uruguaio na final. Além disto, Zizinho dizia ter o sonho recorrente de que o jogo estava para começar. A proposta de Geneton era anistiar todos eles.
O documentário foi atualizado. Ghiggia foi entrevistado no começo do ano passado. É o único jogador vivo da final de 50 e revelou querer estar no estádio fluminense em 2014. Em 2012 Ghiggia sofreu sério acidente de carro, ficou em coma. Recuperou-se. A aula de Geneton, que também contou de forma brilhante a história do jornalista Joel Silveira no documentário ‘Garrafas ao Mar: A Víbora Manda Lembranças’, inicia-se pelo goleiro Barbosa. Em 86, Barbosa trabalhava no Parque Aquático do Maracanã. ‘Pedi que subisse ao gramado e ele se recusou. A derrota ainda doía’, diz Geneton Neto.
Agora, de volta a 2014. Vamos pensar. Será que daqui a 25, 30, 40 anos algum jornalista vai se interessar em entrevistar todos os 11 titulares que entraram em campo no fatídico 8 de julho, nos 7 a 1 contra a Alemanha? Não sei se valeria a pena. Se em 1950 tínhamos Zizinho e Ademir, em 2014 os craques (?) eram Neymar e Thiago Silva. Qual é a marca do time de Felipão? As lágrimas medrosas e as fotos nas redes sociais. Uma lástima desastrada e infantil de um grupo que não deixará saudades.