Entrevista – Filme Casablanca
Entrevista – Filme Casablanca
Livro "Casablanca: Política, História e Semiótica no Cinema"
* Como surgiu seu interesse pelo filme Casablanca?
- Meu interesse pelo filme Casablanca surgiu por acaso. Em fevereiro de 1986, quando a Rede Globo passou o último capítulo de Roque Santeiro, houve toda a discussão se a Viúva Porcina ficaria com Sinhozinho Malta ou com Roque Santeiro. Os dois finais foram gravados e não se sabia qual seria exibido, tamanho era o suspense. Após o término da exibição do último capítulo da novela, a Rede Globo exibiu o filme Casablanca. Foi a primeira vez que vi o filme. Este causou um grande impacto e percebi claramente os elementos políticos, históricos e de propaganda antinazista presentes no filme. Hoje seria algo impensável passar um filme preto e branco com legenda às 10 horas da noite no canal aberto. Os tempos eram outros e a audiência também era outra e, além disso, o número de opções de canais era bem menor do que é hoje.
* O que te motivou a ver o filme várias vezes?
- Eu queria entender os motivos porque o filme era famoso. Peguei o filme numa locadora e assisti de novo, depois comecei uma pesquisa em jornais e revistas, assim como procurei análises sobre o filme. Em 1992, a Cinemateca em São Paulo passou o filme e assisti pela primeira vez no cinema. Na tela grande, o filme mostrou que havia outros desafios para entender Casablanca: qual seria a posição no tabuleiro de xadrez na cena com Humphrey Bogart e qual seria o significado do número 22 na roleta do cassino. Apenas em janeiro de 1997, numa revista de xadrez encontrei um artigo sobre a posição do tabuleiro de xadrez que resolvia um enigma importante. Escrevi um artigo com uma análise sobre o significado da posição no tabuleiro e o que isso representava na Segunda Guerra Mundial. O artigo não chamou a atenção na época e o guardei durante uma década. Em janeiro de 2007, no cinquentenário da morte de Humphrey Bogart, resolvi reescrever o artigo e republicá-lo na internet. Novamente não teve nenhum impacto. Apenas após o lançamento do livro em 2010, o capítulo sobre o tabuleiro de xadrez ganhou uma grande dimensão e divulgação na internet.
* Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre o filme Casablanca?
- A ideia de fazer um livro sobre o filme Casablanca surgiu em 2008, quando por acaso achei um artigo sobre Casablanca escrito por Umberto Eco. O texto Casablanca: Cult Movies and Intertextual Collage foi apresentado por ele no Simpósio “Semiotics of the Cinema: The State of the Art”, em Toronto, no Canadá, em 18 de junho de 1984. Após ler o texto em inglês, cheguei à conclusão que um resumo das ideias daria para escrever um capítulo de um livro. Assim como toda a contextualização política e histórica formariam outro capítulo. O artigo sobre a cena do tabuleiro de xadrez poderia ser adaptada como um capítulo do livro. Um resumo sobre a atuação das atrizes e dos atores formaria outro capítulo, a música As Time Goes By também teria um capítulo, assim como a peça de teatro Everybody Comes to Rick’s que se transformou num roteiro adaptado, dando o terceiro Oscar a Casablanca (além de melhor filme e melhor diretor).
* Como surgiu a ideia de fazer várias interpretações sobre o filme?
- Minha obsessão para entender o filme poderia finalmente provocar uma catarse de forma a livrar-me dessa fixação em torno de Casablanca. Depois de assistir duas dezenas de vezes durante duas décadas, eu ainda não compreendia a totalidade do filme. Queria analisar todos os elementos ao mesmo tempo, mas isso era impossível. Tinha que analisar de maneira separada com enfoque em cada interpretação. Apenas a maturidade e o momento em que escrevi o livro permitiram passar para o papel as várias dimensões interpretativas que eu buscava para entender o filme. Decidi assistir grande parte do filme quadro a quadro em busca de significados ocultos, cheguei a sonhar com a sequência final do filme que foi a chave para dar o livro por encerrado e terminar o capítulo sobre a propaganda antinazista.
* Como foi a divulgação do livro desde o lançamento na Bienal de São Paulo?
- Meu envolvimento com Casablanca era tanto que eu passava o dia pensando e escrevendo sobre o filme durante o ano de 2009. Decidi publicar o livro numa versão em espanhol, além de uma tradução para o inglês de toda a parte interpretativa sobre o filme de forma a divulgar ainda mais o meu trabalho. A versão em português foi lançada na Bienal de São Paulo em agosto de 2010. Houve um lançamento no Tonico’s Boteco em Campinas em abril de 2011. Em dezembro de 2012, o filme foi exibido na Manhã Nostálgica no Cinema Topázio em Indaiatuba. Em outubro de 2013, Casablanca foi exibido no MIS (Museu da Imagem e do Som) em Campinas com noite de autógrafo.
* O que mais te surpreendeu ao escrever o livro sobre o filme Casablanca?
- Acho que a parte mais surpreendente do livro, para mim mesmo, foi escrever o capítulo sobre o número 22 que dá duas vezes seguidas na roleta, pois tive que buscar uma interpretação na numerologia e nas cartas de tarot e, além disso, escrever um capítulo do ponto de vista feminino para entender as três personagens (Ilsa Lund, Yvonne e Annina Brandel). Era uma maneira de equilibrar a interpretação que estava muito focada no xadrez e na propaganda antinazista. O filme Casablanca reúne os elementos que mais gosto de analisar: política, história e xadrez. A semiótica acabou me ajudando a perceber que havia também elementos que poderiam ser interpretados nessas outras áreas. A importância do filme ultrapassa o campo do cinema para a política, a história e a semiótica.
* Por que o filme Casablanca permanece na memória das pessoas?
- A permanência do filme na memória das pessoas tem a ver com a música As Time Goes By que provoca uma imediata ligação com Casablanca e não pode ser dissociada do filme. O elenco internacional (havia apenas três americanos) deu uma verossimilhança com a realidade, pois vários atores eram refugiados e interpretavam refugiados no filme. A cena do embate entre os hinos gerou uma catarse após a gravação, pois vários atores se deram conta disso naquele momento.
* Em qual contexto da Segunda Guerra Mundial foi realizado o filme Casablanca?
- O contexto de realização do filme, em 1942, era de sair do isolacionismo que havia até o Ataque a Pearl Harbour, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. O filme Casablanca procurava construir uma imagem de que havia uma resistência confiável na Europa com a qual os Estados Unidos poderiam se aliar para enfrentar o nazismo. A mensagem política e ideológica do filme é muito clara neste ponto. Atrair e conquistar aliados para a causa que seria vitoriosa, num momento ainda de indefinição dos rumos da Segunda Guerra Mundial. As várias versões do filme que foram adaptadas para o rádio, naquela época, reforçam o ponto de vista que o filme foi utilizado como propaganda aliada na luta contra o nazismo. Além disso, o filme estreou no Brasil em 7 de dezembro de 1942, o que mostra uma aproximação com nosso país que, naquele momento, deixara de se inclinar em direção ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Outro exemplo, a cerimônia do Oscar deixou de ser restrita e, pela primeira vez, foi aberta para um público mais amplo em 2 de março de 1944. Homens e mulheres que estivessem usando uniformes ganharam passe livre para acompanhar a premiação. O filme Casablanca ganhou três Oscars, cerca de três meses antes do Dia D (Desembarque na Normandia).
* Qual a importância de filmes em preto&branco que marcaram o cinema dos Estados Unidos até a década de 1950?
- O filme Casablanca pertence a uma época de ouro do cinema americano. Na década de 1930, 1940 e 1950, os Estados Unidos atraíram atores, atrizes, roteiristas, produtores e diretores que produziram grandes filmes inesquecíveis. Eu acredito que, se analisarmos em geral este período, os filmes em preto e branco desta época retratavam o american way of life. O pensamento hegemônico anglo-saxão de classe média branca e urbana está muito bem representado ao longo de todo o período. A passagem da década de 1950 para a década de 1960 marca a ascensão do cinema europeu, do chamado cinema de autor e dos filmes em cores. Surgia assim um multiculturalismo que foi acompanhado pelo cinema asiático e também um pouco pelo cinema latino-americano. Os movimentos estudantis, os movimentos feministas, os movimentos negros e os movimentos gays influenciaram de forma a ampliar e diversificar os filmes nas últimas décadas do século 20.
* Qual o tipo de filme que prefere assistir e seus diretores prediletos?
- Gosto do cinema de autor de diretores como Truffaut, Antonioni, Buñuel, Fellini, Hitchcock e atualmente Almodóvar. Gosto do cinema político da década de 1970 com Costa-Gravas e Elio Petri. Gosto dos filmes de Charles Chaplin com seu personagem Carlitos por sua dimensão social e mesmo o amargo filme Mousieur Verdoux apresenta alguns ecos de seu clássico personagem (escrevi um pequeno ensaio sobre o filme). Gosto também das fábulas de Frank Capra para levantar a autoestima durante o período da Grande Depressão. Atualmente, a indústria do cinema tem visado apenas efeitos especiais, o lucro com blockbusters e roteiros simples e açucarados que não levam a uma reflexão sobre a realidade destes últimos cinco anos, período da Grande Recessão. Os poucos filmes que realmente permitem uma reflexão maior sobre a realidade não conseguem espaço nas salas de cinema, pois ficam pouco tempo em cartaz e não são muito divulgados pela mídia.
* Há alguma temática específica que te chama muito atenção?
- Há uma temática de filmes que também gosto muito que é quando envolve jornalismo impresso e televisivo, há dezenas de filmes interessantes sobre o tema: o clássico Aconteceu Naquela Noite (1934) e sua refilmagem na década de 1950; Adorável Vagabundo (1941); Cidadão Kane (1941); A Primeira Página (1974); Todos os Homens do Presidente (1976); Ausência de Malícia (1981); O Quarto Poder (1997); Intrigas de Estado (2009); A Montanha dos Sete Abutres (1951) sobre o qual escrevi um pequeno ensaio, entre vários outros filmes.
* Qual a importância da magia do cinema?
- As artes como a literatura, o teatro e o cinema permitem ao leitor ou o espectador se colocar no lugar do personagem e fazer uma reflexão sobre a sua própria vida, realizar uma autoanálise, até mesmo um psicodrama como faz a personagem do filme A Rosa Púrpura do Cairo. Enfrentar seus próprios problemas pode ser difícil, mas necessário para se encontrar soluções, tomar decisões e mudar sua vida. Quando alguém diz que tal filme é o filme de sua vida. Isso diz muito sobre a própria pessoa. A magia do cinema nos transporta para outra realidade.