'Philomena' (publicado originalmente em 3/6/2014)

O roteirista Steve Coogan foi esperto. Depois de ler ‘O Filho Perdido de Philomena Lee’, livro do jornalista Martin Sixsmith, teve um estalo: transformar o drama da noviça humilde e ingênua que teve o rebento sequestrado por freiras na Irlanda na década de 50, em filme. O próprio Steve Coogan reservou para si o papel de Sixsmith. Nota-se que o cineasta não é bobo. À protagonista, havia só um nome cogitado – Judi Dench.

A veterana atriz, octogenária em 9 de dezembro de 2014, tem a carreira marcada por personagens únicos, curiosamente quase sempre em longas-metragens de pequena ou a nula repercussão. Nos últimos anos, no entanto, seus papéis tiveram relevância no sentido da grande publicidade. O exemplo mais conhecido é M, a chefe do agente 007 numa porção de histórias do tal James Bond. Impacta como Dench caiu enormemente bem como Philomena. Parece ter sido este seu momento na profissão. Há uma cena, creio ser no meio da trama, se não me falha a memória, em que a senhora assiste a um vídeo de fotos do filho. A expressão da atriz choca pela veracidade e emoção à flor da pele. A fita é aquele instante, sequência inesquecível a quem é público de tamanha qualidade. Acredito que a indicação ao Oscar de melhor atriz tenha vindo por conta daqueles segundos mágicos.

Coube a Stephen Frears (‘A Rainha’ –2006, ‘Ligações Perigosas’ –1988) dirigir. Não deve ter tido tanto trabalho assim. Coogan estava à vontade em cena e Dench, nem se fala. A química entre os dois rolou de maneira natural. Combinam. A tragédia de ‘Philomena’ tem na dupla a sua redenção, se posso comparar desta forma. Quando moça, vê o filho retirado e passa a vida toda a procurá-lo. É aí que o jornalista Sixsmith entra. Cansado, desempregado e fatigado com a profissão, de início teima e se recusa a trabalhar esta aventura de cunho ‘humano’, como costuma dizer.

Ácido em suas críticas e não menos mordaz nos comentários acerca do cotidiano, o jornalista enxerga na idosa o bom trunfo no colo e resolve assumir a reportagem, a fim de dar a volta por cima na carreira desgastada... Trata-se de um filme de estrada com paradas estratégicas. Philomena retorna ao convento onde sofreu as duras penas da juventude, revê determinadas religiosas, as quais Sixsmith não engole de jeito algum. No ‘cara a cara’ com a realidade do presente, a sra. Lee traumatiza-se com o passado, pois seu futuro não prevê dias melhores (claro, não contarei aqui se ela achou o filho, e o que ocorreu com a criança).

O longa entrou em minha lista dos melhores de 2013, ao lado de ‘A Grande Beleza’ e ‘Ela’. Se a realização se dá com atores bons, o resultado, por mais que a produção seja torta, é satisfatório. O caso de ‘Philomena’ não é esse. O script tem traços de retidão e a direção jamais é comprometedora. Deixaram Dench e Coogan darem o show e o restante coube à edição. Estes três filmes que citei têm o lado solto e exatamente por isto são tão impressionantes. Há quem defenda que ‘Philomena’ é filme de e para americanos, com a moral da história de sempre ir atrás dos sonhos, mesmo quando eles são arriscados demais. Outros colam na atuação de Coogan o aspecto canastrão.

Pode até ser. Aprecio os canastrões em geral. José Wilker, morto recentemente, era um deles. Médio, mas alvissareiro. Não se levava a sério. Coogan é deste jeito. No filme faz graça com a sua pessoa a todo o momento. Basta ver atentamente as cenas em que contracena com Dench. O ator sabe que ela é muito maior do que ele e usa o ingrediente a seu favor. Também por este motivo Dench brilha. Não fez força para dizer o texto e perambula pelos minutos como se estivesse em nossa sala, conversando, contando as confidências.

Existe bom cinema nos Estados Unidos, para espanto de muitos. ‘Philomena’ faz parte dele e demais obras, idem. É necessária a capacidade de escarafunchar películas e separar as boas e ruins. O ano que passou, 2013, foi razoável à sétima arte. Melhor que 2012, se pesarmos os lançamentos. E ‘Philomena’ com certeza contribuiu pra o salto, pequeno, é verdade, de qualidade. Os bons atores não podem ficar ao escanteio. Os veteranos, como Judi Dench, tem bastante a ajudar nosso bom cinema.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 04/06/2014
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