Decepção (publicado originalmente em 29/4/2014)
‘Rio 2’ (2014) lembra pouco ou quase nada o antecessor ‘Rio’ (2011). Nem mesmo as cenas de cores dançantes, o baile das aves ao som do samba brasileiro, exibidas no primeiro filme e repetidas nesta sequência, empolgam. A fita original me fez querer comparar a aventura de Blu, a arara azul de existência rara, à de Zé Carioca, personagem do estúdio Disney de enorme sucesso em, por exemplo, ‘Você Já Foi à Bahia?’ (1944). ‘Rio 2’ fez a trama de três anos atrás perder a graça. Carlos Saldanha, o diretor e idealizador da fita, arriscou-se. Quase desliza no brega. Recheia o Brasil com clichês pobres.
Na história de ‘Rio 2’, Blu e Jade estão casados, têm três filhos (Tiago, Bia e Carla) e vivem no Rio de Janeiro. Enquanto isso, seus cuidadores Túlio e Linda estão na Amazônia a fim de pesquisar a fauna local. Por acaso, a dupla acha uma pena azul na mata. Deduzem que há chance de mais araras azuis viverem ali. Assim Blu, Jade e os filhos não seriam os últimos da espécie. Ao assistirem à TV e a reportagem com a entrevista dos donos, o casal de passarinhos resolve ir à Amazônia ajudar Linda e Túlio na empreitada. Mas todos eles não contam que naquele exato momento um empresário decide derrubar árvores da floresta, ameaçando a cadeia alimentar dos bichos. Neste ínterim, Nigel, cacatua maldosa e inimiga das aves, vai atrás deles, acompanhado por um tamanduá sempre faminto e duma rã poética e apaixonada por ele (Nigel). O caldo disto tudo é amargo. ‘Rio 2’ deixa bastante a desejar.
Saldanha e outros quatro cineastas roteirizaram o longa, de longos 101 minutos (o trocadilho é proposital). Tamanho trabalho serviu somente para arregimentar críticos ferozes. O diretor propôs nesta continuação um barulho por conta do desmatamento amazônico e do perigo disto aos animais que lá vivem. O tema foi cercado por cenas que pretendiam ser cômicas, mas não passaram de tolas.
Se realmente aspirava abordar assuntos tão complexos, de ampla discussão, o melhor a fazer seria um documentário. Saldanha quer que as crianças de cinco, seis, sete, oito, nove anos entendam do debate e sabemos: não é desta forma que ocorre. Ao levar à telona desmatamento, o que o diretor conseguiu foi deixar com sono os adultos e distrair os pequenos por parcos minutos, não a hora e 41 minutos pretendidas.
Ainda que estejam presentes o romance bonitinho de Blu e Jade, os filhos deles extremamente mimosinhos, meiguinhos, além das frases enigmáticas de Nigel e as bobas encenações do tal malvado empresário, ‘Rio 2’ nos faz querer, a partir da primeira meia hora de película, que ela termine o mais rapidamente possível. Numa palavra: decepção. Aliás, Saldanha acumula sequências medíocres desde que assumiu direções. São dele ‘A Era do Gelo 2 e 3’ (2006 e 2009 – ele co-dirigiu o primeiro, de 2002). Rezemos, portanto, a que ele não tenha a ideia de ‘Rio 3’ mais à frente. De certo, apenas a dinheirama arrecadada com estes filmes, blockbusters de segunda, terceira linhas. É pena.
Para não ficar tudo a nubladas nuvens, destaco de ‘Rio 2’ as duas tartarugas capoeiristas. Elas vão ao teste ao musical organizado por dois pássaros – são o vermelho e o amarelo com a tampinha de garrafa na cabeça – e mostram aos avaliadores o número da capoeira em câmera lenta. Engraçado é e determinadas sacadas estão bem a calhar, porém há exagero. Saldanha foi mal na pintura que fez do Brasil. No primeiro, o cenário das favelas fluminenses, desfile de carnaval na Cidade Maravilhosa e os pormenores dos detalhes soavam originais. Em ‘Rio 2’ temos a percepção de repetição e cansaço.
A mania de universalizar linguagem também me enerva. Os primeiros instantes do filme são com uma música em inglês, com legendas. Levei um susto quando vi. Será que Saldanha pensou nas crianças de menos de nove, dez anos? Em ‘Rio’ isto é semelhante. A insistência do cineasta em querer agradar aos americanos é debochada. O que se há de fazer, como diria ‘Amélia’ de Mário Lago? Nada. O jeito é se contentar o que temos. Ou nos rebelar contra. Mas foi-se o tempo das cantorias e piados.