Há controvérsias (publicado originalmente em 15/4/2014)
‘Noé’ (2014) estreou há 12 dias. Como era esperado, gerou polêmica. Ou polêmicas. Dirigido por Darren Aronofsky (‘Réquiem para um Sonho’ –2000, ‘O Lutador’ –2008 e ‘Cisne Negro’ – 2010), veio, desde o início, marcado como superprodução. Pela história bíblica, pelos trailers apresentados, e as mais de duas horas de duração, logo as referências surgem: os clássicos das décadas de 50 e 60. Por exemplo, ‘A Bíblia: O Início’ (1966), ‘Os Dez Mandamentos’ (1956), ‘A Maior História de Todos os Tempos’ (1965), ‘Sansão e Dalila’ (1949) e ‘Jesus de Nazaré’ (1977). Se a comparação soar forçada, não se assuste. ‘Noé’, adaptações à parte, atinge em cheio o seu objetivo. Entretém e expõe a história.
Confesso que não sou leitor da Bíblia. Portanto, tive de pesquisar a averiguar se reclamações são justas ou equivocadas. Fico no meio termo. Existem dois lados: o religioso e o cinematográfico. O primeiro afundou-se em críticas negativas. O jornal ‘Avvenire’, do Vaticano, não poupou Aronofsky e seus asseclas. ‘É um filme estranho. Misturaram-se elementos de Harry Potter, O Senhor dos Anéis e Gladiador’, escreveu o jornalista Mimmo Muolo. O raro elogio veio da parte técnica. Segundo Muolo, é obra ‘visualmente potente’. Deveras. No vídeo dos bastidores são exibidos trechos da construção da famosa arca. Em tamanho natural – cerca de 150 metros de comprimento –, teve a medida triplicada por computador, mas a estrutura assusta. Os realizadores acertaram aqui, acolá. A arca é estupenda.
‘Avvenire’ segue com a discussão. ‘Tiveram uma boa oportunidade e a desperdiçaram. É um Noé sem Deus’. A equipe tentou agendar o encontro com o Papa Francisco a fim de que ele assistisse e abençoasse o longa. Não tiveram sucesso. ‘O filme se afasta muito dos capítulos iniciais do livro de Gênesis e se perde em conceitos ecológicos e esbarra no movimento da Nova Era’, opinou M. Muolo.
O elenco tem na porção principal Russel Crowe, Jennifer Connelly, Anthony Hopkins, Emma Watson e Ray Winstone. Os secundários são precisamente os filhos de Noé: Ham (Logan Lerman), Shem (Douglas Booth) e Jafé (Leo McHugh Carroll). Crowe e Connelly revivem a parceria de 13 anos atrás, quando também foram casados em ‘Uma Mente Brilhante’ (2001). Destaco que é o momento melhor do ator desde que atuou nos 4 filmes em sequência entre 1997 e 2001: ‘Los Angeles – Cidade Proibida’ (97), ‘O Informante’ (99), ‘Gladiador’ (2000) e o citado ‘Uma Mente Brilhante’. Acerca dos demais, não comprometem. A beleza de J. Connelly enche qualquer tela e E. Watson, por incrível que pareça, largou a sua Hermione Granger, dos vários ‘Harry Potter’ (2001-2011) pelo caminho. É bom lembrar que tanto Crowe como Connelly mergulharam apenas em trabalhos medíocres, fracos nestes dez anos. Aronofsky consegue concatenar bem os atores e o resultado é bom, se pensarmos somente no teor da sétima arte. O roteiro de Ari Handel se expõe em defender os valores morais até as últimas consequências. A esperança de dias melhores, com a ecologia em dia com o planeta, também está ali.
Banido em países do Oriente Médio e reprovado por espectadores de diferentes religiões em sessões-teste realizadas em 2013, ‘Noé’ está repleto de controvérsias. Os guardiões, gigantes de pedra abandonados por Deus (eram anjos de luz que pecaram), são os ajudantes do protagonista pra evitar a invasão pelo grupo comandado por Tubal-Cain (R. Winstone). O drama do homem escolhido pelo Criador (como é chamado o filme todo) a salvar a família e um casal de cada espécie animal na Terra para repovoar o mundo após o dilúvio divino, causado pela decepção Dele para com o homem, a sua criação maior, é praticamente conhecido por todos. O crítico Thales de Menezes chamou Crowe de ‘o Charlton Heston de sua geração’. Tenho minhas dúvidas. Se for pela potência da voz, tudo bem. Mas há diferenças. Conflitos deixados de lado, ‘Noé’, ao contrário da opinião de Menezes, é mediano. Não ficará marcado no panteão dos épicos, porém possui valor apropriado a ele. Cada coisa no seu lugar.