A sociedade anônima (publicado originalmente em 21/1/2014)
O cineasta Luís Sérgio Person, creio, é bem pouco conhecido pela classe brasileira. No mundo da tecnologia, da conversa instantânea e da cuca vazia, os adolescentes, jovens e adultos de hoje nada sabem sobre Person. Pena, mas para tudo dá-se um jeito. Sempre há tempo. Conheci-o pela sua filha, Marina, e o documentário ‘Person’ (2007). Antes, confesso, ventava em minha cabeça informações e dados acerca dele. Então, recentemente, no Canal Brasil assisti a ‘O Caso dos Irmãos Naves’ (1967), e da fita escreverei mais à frente. Hoje me debruço em ‘São Paulo Sociedade Anônima’ (1965), tida por especialistas como a obra-prima do diretor. Uma história cuja proposta é discutir a atabalhoada vida na cidade grande e os desafios, problemas, perigos, modernidades e enfrentamentos que ela impõe a todos. Não se trata de longa rodado em 2013, mas há quase meio século–e se passa entre 1957 e 1961.
A vida de Person teve somente 39 anos (12/2/1936 – 7/1/1976) e parece que isto ‘contribuiu’ para a feitura de autênticas pérolas. É engraçado isso. Não sei se ele sentia que viveria tão pouco, daí rodou dois roteiros incríveis, ou se estivesse por aqui hoje estaria desgastado e arruinado artística e financeiramente, como foi com Rogério Sganzerla (1946-2004) e Carlos Reichenbach (1945-2012), só para citar ícones. Glauber Rocha (1939-1981), idem. A mesma precocidade, destreza, inteligência. E a morte trágica aos 42 anos (Glauber teve infecção grave nos pulmões e L. S. Person morreu vítima de acidente de carro). Os filmes do baiano são avaliados clássicos, cults, politizados e temas de debates, teses, monografias. Com Person, igual. Discutir ‘São Paulo S./A.’ é averiguar que, dos anos 50 pra cá, as angústias, as depressões e dúvidas são idênticas. O diferente é a linguagem e o aparato dos botões.
‘São Paulo S./A.’ detalha a vida de Carlos (Walmor Chagas – estreia no cinema). Beirando os 30 anos, o jovem de classe média se muda para a cidade de São Paulo e quer ‘recomeçar’. O mote da fita é este verbo. O cotidiano do rapaz é raso: trabalha numa grande empresa, namora duas garotas (Hilda – Ana Esmeralda, e Ana – Darlene Glória) e está repleto de insatisfações. Almeja ‘algo a mais’. Mas o que exatamente seria o ‘a mais’? Nem ele sabe. À sua volta, vê a indústria desenvolvimentista se instalar e as pessoas cada vez terem menos tempo para buscar seus ideais. Atual, não acha? Então, durante a aula de inglês, conhece Luciana (Eva Wilma). Dondoca, recatada, tímida e comportada, é o prato cheio de Carlos. Ele enxerga nela a chance de se ‘acalmar’. Ainda assim, não se desvencilha de Ana e se surpreende com uma atitude drástica de Hilda. Neste ínterim, Arturo (Otelo Zeloni, grande ator ítalo-brasileiro – estouraria dois anos depois com ‘A Família Trapo’, humorístico da TV Record) o chama a ser gerente na empresa de autopeças. Vida ganha. Carlos se casa com Luciana, tem o filho.
Está ajeitado profissional e psicologicamente? Ledo engano. Aí que as confusões o atordoam. Quando percebe que está tudo entrelaçado e amarrado, o protagonista não pode correr. Como adulto precisa assumir responsabilidades. Tem esposa e filho pra sustentar. E agora? Cadê o ‘algo a mais’ de antes? Ana dá sopa. Traições se sucedem. E ele vai mal. É obrigado a se resolver antes que seja tarde.
Não é apenas a beleza de Darlene Glória (vocês podem vê-la também no recente ‘Feliz Natal’– 2008, o filmaço de Selton Mello) que ‘São Paulo S./A.’ nos oferece. Aliás, é muito além dela. Person nos faz refletir sobre nós e nossos desejos, aspirações. Como Carlos, estamos cotidianamente atrás de realizar os sonhos. Porém, são sonhos sonhados por quem? Pela gente ou nós somos influenciáveis? O personagem de W. Chagas conquistou tudo: carreira, status, dinheiro, esposa, filho; entretanto, ele estava descontente, desconfiado, ressabiado. L. S. Person tinha de 28 para 29 anos quando escreveu o roteiro fabuloso. Antes, havia trabalhado como ator (canastrão) em comédias e filmado uns curtas. ‘São Paulo Sociedade Anônima’ foi seu trabalho de estreia. Nada mal. Ficou eternizado como um dos mais, senão o mais, atuais longas de 60 anos atrás. Nós temos muito a que evoluir, pensar sobre isto.