Outro patamar (publicado em 17/12/2013)
Todos estão fartos de saber: Tom Hanks nada tem a provar pra ninguém. Aos 57 anos, muito bem sucedido, dois Oscars na prateleira e multimilionário, dá pitacos nos filmes, é consultado pelos novatos– atores, diretores e produtores – e arrisca-se aqui e ali e pequenas e médias ousadias. Pouco tempo atrás, abriu a porta nova: descobriu ser diabético e ajudou o mundo com o seu depoimento em programas de TV. Porém, como canta Paulinho da Viola, ‘ai, porém’, lhe falta algo de notável. A linha reta da carreira o denuncia exatamente por ser tão horizontal, sem os sobressaltos de papéis grandes e memoráveis. Certo: ele encarnou, por exemplo, Forrest Gump (94) e Andrew Beckett em ‘Filadélfia’ (1993), os trabalhos que lhe renderam estatuetas. Também foi Chuck Noland em ‘Náufrago’ (2000) e o capitão Miller n’‘O Resgate do Soldado Ryan’ (1998). ‘À Espera de um Milagre’ (99) e ‘Estrada para a Perdição’ (2002), este último muita gente esquece, mas é um de seus melhores momentos, também marcaram. Falta-lhe o mito, no estilo Rick Blaine para Humphrey Bogart, ou o R. P. McMurphy para Jack Nicholson. Até mesmo o recente Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis). Sou péssimo a recordar nomes e listas, mas vocês compreendem o que quero dizer? T. Hanks ainda precisa pagar esta conta.
Pode ser que com ‘Capitão Phillips’ (2013) ele consiga quitar as primeiras parcelas. Todos os especialistas em cinema apontam o ator como vencedor da categoria na festa de 2014 (será realizada no domingo de Carnaval, 2 de março). Difícil prever, pois não sabemos com quem Hanks concorrerá. Mas os burburinhos estão cada vez mais fortes e dão conta realmente de que ele é o favorito. ‘Capitão Phillips’ é baseado na história verídica ocorrida em 2009, quando o marinheiro Richard Phillips foi feito refém de piratas da Somália. Ele embarcara em Omã, no Maersk Alabama, e o ponto de chegada é o Quênia. O navio leva comida para os pobres. Toneladas de produtos. E a certa altura, já sabendo dos perigos dos mercenários em alto mar, Phillips resolve aumentar a segurança. Não dá certo e seu navio é invadido pelos 4 somalis: Muse (Barkhad Abdi), Bilal (Barkhad Abdirahman), Najee (Faysal Ahmed) e Elmi (Mahat M. Ali). Após as horas de andanças pela nau e uma grotesca falha operacional dos tripulantes, Phillips é feito refém. Os desdobramentos são os conhecidos: a segurança dos EUA é acionada, fazem de tudo para resgatar o capitão. Os somalis, pobres, sujos, mal cheirosos e cheios de suor, ficam com medo e apavorados. O desfecho é o previsível. E como a fita se trata de fatos reais...
‘Capitão Phillips’ em determinados instantes exala cheiro de suor. Sentimo-nos abafados, no calorão do pequeno navio no qual estão os sequestradores e o prisioneiro. O diretor Paul Greengrass (de ‘Voo 93’, 2006, e ‘A Supremacia Bourne’, 2004) ganha pontos nisto. Os quatro somalis estão bem em cena, principalmente Abdi e Faysal. E só estão porque Paul é um ótimo diretor de atores. Tensão e nervosismo parecem pular para fora da telona. As gotas de suor dos personagens grudam no nosso corpo de forma tal que nos vemos incomodados com a situação. Finalmente, o que comentar de Tom Hanks? Está estupendo em frente às câmeras... Impressiona a maneira com a qual lida com cenas de exigência máxima. Aliás, o físico dele lhe cobra em muitas sequências, como as finais, nas quais o seu personagem tenta fugir a nado da embarcação. O roteiro de Billy Ray (de ‘Jogos Vorazes’ – 2012) nos prende em atenção e medo. Mesmo sabendo que se trata dum suspense com final feliz, tememos pela vida de R. Phillips e queremos a morte dos ladrões. É impactante sentir como nos transformamos nos bichos, animais sedentos pelo sangue dos bandidos nestes nossos tempos. Mas, como se diz, ‘é o que temos pra hoje’. Tom Hanks tem tudo para atingir de uma vez por todas o outro patamar da carreira.
Perto de se tornar sessentão, o ator quer se transformar em cineasta. Já dirigiu alguns longas – dentre eles o ótimo ‘The Wonders: O Sonho não Acabou’ (1996) – e produziu (produz ainda) séries à TV. Ele tem tudo para se tornar uma lenda. Todavia, necessita de um pouco mais de séria bagagem.