Transformações (publicado originalmente em 5/11/2013)

Hoje inicio a coluna com desculpa. Peço-a a Sandra Bullock. Em 30 de julho de 2009, escrevi aqui sobre ‘A Proposta’. Comentei na época sobre seu crescimento como atriz, com roteiro preparado ao seu tom de comédia e etc. Coincidência ou não, logo em seguida ela filmaria ‘Um Sonho Possível’ e o Oscar estaria na prateleira. Neste período Sandra ainda estaria no denso ‘Tão Forte e Tão Perto’ e o caminho era a reta da firmeza. Enfim, seria levada a sério. Enganei-me. Após ver ‘Gravidade’ (2013), afirmo com categoria: de fato, a partir deste instante, sim, passa a ser Atriz, com ‘A’ maiúsculo. Visto em 3D, o longa-metragem é a redescoberta do grande cinema de efeitos especiais. E não me refiro ao espetáculo murcho dos desgastantes efeitos de explosões e os maremotos etc. Falo de inspirações nos titãs do setor. ‘Gravidade’ reverencia ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’ (1968), de Stanley Kubrick, em diversos tópicos. O mais óbvio é o tema, o espaço, a solidão e a fraqueza do ser humano em meio aos trancos da vida. Outro cai sobre a trilha sonora de Steven Price. Já os acordes primeiro nos remetem à história de 45 anos atrás. E o peso da música faz-nos cúmplices dos personagens. No caso, somente dois: Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalski (George Clooney). O número exato ao script, sem imperfeições, com a duração de 91 minutos. Não é preciso mais. Ser enxuto, às vezes, cai muito bem.

Sob direção, produção, roteiro e edição do mexicano Alfonso Cuarón (‘Grandes Esperanças’, 1998), ‘Gravidade’ mostra o conserto do telescópio Hubble feito pelos astronautas Kowalski e Stone. O primeiro é experiente, cansado da profissão, conta sempre as mesmas histórias e faz piada com os perigos da missão. A moça tem uma história de vida trágica: a filha de 4 anos morreu num acidente na escola. Desde então, como ela diz, vive na cidadezinha do interior... ‘Dirijo e trabalho’, nada mais. Durante a tarefa espacial são atingidos por uma chuva de destroços, decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo (oh!). Ambos são jogados ao espaço sideral. Sem qualquer contato com a Nasa, têm de agir logo para buscar a sobrevivência naquele lugar totalmente inóspito. O risco de ficar desprovido do oxigênio e a ansiedade em descobrir rápido a saída praquele imbróglio, além, é claro, das surpresas reservadas fora da Terra, fazem com que Kowalski e Stone tenham de tomar decisões e pensar no futuro. Ademais, o foco da fita é Sandra. A atriz dá um show particular de interpretação. E não foi a primeira escolha da produção: Natalie Portman, Angelina Jolie e outras fizeram os testes de elenco, até o papel cair no colo de Sandra. Robert Downey Junior (‘Chaplin’, 1992) foi escalado para ser Kowalski, mas a incompatibilidade de atuação fez com que ele fosse trocado por George Clooney.

A transformação de Sandra em ‘Gravidade’ enche os olhos. Cuarón acerta demais na direção e teve o dom de aperfeiçoar a atriz a cada cena rodada. Tanto o filme como ela estão muito cotados a serem indicados, quem sabe até ganhar o Oscar de 2014 (será no domingo de carnaval, 2 de março). A tensão de ‘Gravidade’ é tanta que compará-lo a ‘Náufrago’ (2000), ‘127 Horas’ (2010) ou ‘Eu Sou a Lenda’ (2007), ditos projetos de um ator só, é erro, pois estes contam com momentos engraçados, de ironia e chiste... A película de A. Cuarón é completamente nervosa, angustiante e impactante. James Cameron, diretor de ‘Titanic’ (1997) e ‘Avatar’ (2009), disse ser ‘Gravidade’ o melhor filme de espaço já realizado. Concordo. É o melhor, ao lado de ‘2001’. Este empate significa demais. Torço realmente para que ‘Gravidade’ seja reconhecido e premiado a esmo. Ainda bem que aqui no Brasil a fita tem o seu valor: o público já ultrapassou a marca dos 300 mil e a arrecadação passou dos R$ 10 milhões. É o típico trabalho que deve ser assistido apenas em 3D. As imagens da Terra são extraordinárias, com cores e forma absolutas, limpas, impecáveis. S. Kubrick estava certo quando desejou esperar todas as novas tecnologias para filmar as ideias trabalhosas, como a vida de Napoleão ou o que resultaria em ‘O Homem Bicentenário’ (2001), de Steven Spielberg. ‘Gravidade’ supera esses sentidos. Modifica-os.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 06/11/2013
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