Risos rasos e ralos (publicado originalmente em 1/10/2013)
O cinema é engraçado. Em determinadas áreas não existem ciclos, fases e melindres. Sandra Bullock exemplifica um destes ramos. ‘As Bem Armadas’ (2013) estreou sexta-feira no Brasil e trouxe um alto lucro com ele... Os milhões de dólares obtidos com os ingressos nos EUA tendem a se repetir por aqui. Mas não se enganem, por favor. A comédia, protagonizada por Sandra e Melissa McCarthy (de ‘Missão Madrinha de Casamento’, 2011) é fraca em seu todo e completamente desprovida de ir ao ponto máximo da comicidade, ou seja, os risos são rasos. O conjunto da obra tem duas policiais que se odeiam (Ashburn – Sandra Bullock, e Mullins –Melissa McCarthy), porém têm de trabalhar juntas para capturar o líder do tráfico de drogas de Boston. Ashburn aceita porque quer a promoção que seu chefe, Hale (Damian Bishir, ‘Uma Vida Melhor’ –2011), prometeu. Mullins se submete a contragosto. Mal educada, ciumenta e possessiva, esbraveja se qualquer um tentar sequer meter o bedelho em sua função. E é exatamente este choque de gênios o motor a roncar na trama, roteirizada pela estreante Katie Dippold. Em Boston, as duas agentes são auxiliadas por Levy (Marlon Wayans, ‘As Branquelas’ –2004). Enquanto uma usa terninhos bem ajeitados (Ashburn) a outra é só a roupa larga e bem suja.
Fazia meses que não ia ao cinema. Para quem ama a sétima arte isto é sacrilégio, mas se nós analisássemos a situação, a razão penderia ao meu lado. A rede de cinema distribuidora de filmes em Jacareí e São José dos Campos possui 23 salas e em todas as qualidades dos longas deixam bastante a desejar. Só aceitei ver ‘As Bem Armadas’ porque tenho determinada admiração por Sandra. Sabia e esperava o que veio. Ainda assim saí decepcionado da sala. Temo que a eterna ‘Miss Simpatia’ (2000, 2005) perca o brilho que a atinge desde o início das empreitadas pra rir. Seus papéis nestas películas a pintam como desajeitada, recatada e de fala mansa. Assim foi em ‘A Proposta’ (2009), produção de qualidade melhor a ‘As Bem Armadas’. A culpa na maioria das vezes é dos roteiristas e neste ano não foi diferente. Ao arriscar um enredo sério, com pitadinhas de humor, como em ‘Um Sonho Possível’ (2009), Sandra Bullock conseguiu o Oscar de melhor atriz, e merecidamente. No denso ‘Tão Forte e Tão Perto’ (2011), a atriz encaixou força à carreira e hoje sabemos de sua verdadeira capacidade. Em 2014 ela, pasmem, chegará aos 50. E a futura cinquentona pode se gabar de manter a invejável forma física e, vejam, contracenar com Ryan Reynolds, 12 anos mais velho, sem transparecer (‘A Proposta’).
Dirigido por Paul Feig (‘Missão Madrinha de Casamento’), ‘As Bem Armadas’ exagera no erro de querer a todo custo agradar. Às vezes más intenções são necessárias. Não é o que ocorre com este longa. Desde primeiros minutos (são 117) nota-se o afamado ‘água-com-açúcar’ a se dilacerar na tela. Feig incorporou o termo ‘comédia’ e o jogou ao seu pior sentido. Para debaixo do tapete foram o seu escrúpulo e a vergonha. McCarthy se comporta como em seu primeiro filme de sucesso. Tem carisma e ousadia. O perigo é o mesmo que citei sobre Sandra: perder a graça se seguir a linha de realização. Chegará a hora na qual o público se cansa e aí o abismo vem. Aconteceu com Jim Carrey (eu até hoje não sei quem o viu e disse a ele que era um bom ator), Eddie Murphy (idem) e Rowan Atkinson (só o Mr. Bean, nada mais). Por se tratar de script pra mulheres, neste caso de TPM avançada, pode-se ter dificuldade em os homens assimilarem bem esta teoria de ‘As Bem Armadas’. Se o ‘machismo’ de fato for superado, vale a pena tentar acompanhar a história. Sairá frustrado, mas fará a parceira / esposa / namorada feliz. E se a comemoração vingar, conforme-se: ‘As Bem Armadas’ terá continuação mais para frente. Repito: Sandra Bullock se atira no buraco do mar sem fim. Não precisa mais de dinheiro.
Há os momentos em que sinceramente me pergunto quem é o mais bobo: eu que assisto ou o cinema que oferece estes ralos a céu aberto. Ou refazer a pergunta: quem é o mais prejudicado com a programação? Esta resposta é óbvia: o espectador, pobre-coitado, vítima da censura dos bons filmes.