Mostrar-se (publicado originalmente em 24/9/2013)

A grande influência de Woody Allen é Ingmar Bergman, de ‘O Sétimo Selo’ (1957). Mas ao começar a carreira, em fins dos anos 1950 nos stand ups da vida, e na década de 1960, já nas telinhas da TV e telonas do cinema, vemos um Woody Allen escrachado, debochado e corajoso. Em ‘Bananas’ (1971), San Marcos é a republiqueta da América atolada de crises. Dominada por ditadura militar há anos, após assassinar o presidente em transmissão ao vivo de emissoras de TV (!), a nação está em vias de ver eclodir a rebelião de grupos da esquerda. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Fielding Mellish (Allen), um testador de produtos, paquera a filosófica Nancy (Louise Lasser), estudante engajada em libertar San Marcos dos milicos. O namoro não segue. A jovem quer do lado alguém pensante, líder, que debata política e seja idealista. Mellish não é isto. Ao contrário. Trata-se dum filhinho da mamãe de 30 e poucos anos, dependente, ingênuo.

Sentiu o flashe espocar? Pois bem. A situação de San Marcos refletia nada mais do que o instante vivido pelos países da América do Sul e Norte – Brasil incluído, Cuba inspirado. Este cenário serve para Allen fabricar diálogos sempre inteligentes, sabotadores de si mesmos, e de comicidade ímpar. Em ‘Bananas’ cheiramos traços de Federico Fellini, Charles Chaplin e outros significados do cinema desimportante. As proezas das piadas de Allen estão mais em seu físico do que no script. Mellish derruba mesas, destrói espingardas e joga bebida num general. Ponto típico chapliniano, em um filme recheado de improvisos. Um deles, quando a orquestra apenas mexe os braços, sem instrumentos, durante o jantar, é de se matar de rir. Ali F. Mellish está em San Marcos. Ele foi lá provar a Nancy os dotes esquerdistas e acaba como soldado dos rebeldes. Os militares caem, mas o líder dos insurgentes se revela tão ou mais perigoso aos brigadeiros. E por isto Mellish é a terceira via. Torna-se presidente do país e volta dos EUA disfarçado, com a barba ruiva postiça. É hilária, impagável a sequência com o intérprete na chegada ao aeroporto.

Em 1971 Allen era experiente no teatro e televisão. Tinha roteiros aprovados em shows e séries. ‘Bananas’ é o 3º filme dirigido por ele (antes: ‘O que há, Tigresa?’, 67, e ‘Um Assaltante bem Trapalhão’, 1969), a 4ª atuação no ecrã (anteriores: ‘Que é que há, Gatinha?’, 1965, ‘Casino Royale’, 67, e ‘Um Assaltante bem Trapalhão’) e seu 6º roteiro (‘Tigresa’, ‘Royale’, ‘Assaltante’, ‘Gatinha’ e ‘Que Sequestro Aéreo!’, 1969, começaram). Ele era cru na telona e queria mostrar-se ao público, à crítica, ao clã cinematográfico. Podemos comparar ‘Bananas’ a ‘O Grande Ditador’ (1940), de Chaplin, pelos momentos históricos vividos nas épocas (totalitarismo, militarismo, prisões, censura, tortura etc)? Talvez. Evidentemente existirão aqueles que crêem ser heresia a comparação entre ambos, mas o sentido, proposta, a divagação a se fazer é precisamente igual.

Se não me engano, ‘Bananas’ é o primeiro e último trabalho político de Woody Allen. O apogeu da carreira não se dá aí, mas pouco depois, como um autor de fato, ao rodar ‘A Última Noite de Bóris Grushenko’ (1975) e o sucesso ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’ (1977), que lhe daria os maiores prêmios, entre eles o Oscar. Em 1971 Allen abria timidamente as asas à plateia do cinema e aguardava o resultado. Sabia-se de sua graça e perspicácia, as bem boladas tiradas e ousadias. A coragem entrou no meio como sabor especial com ‘Bananas’. Até com execuções sumárias o cineasta brincou. O ‘Preparar. Apontar. Fogo!’ com F. Mellish enganchado à vítima figura mais como bazófia do que quaisquer outras características. Ele namorava Louise na vida real, o relacionamento durou meses. Até esbarrar em Mia Farrow em 82, com ‘Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão’, as musas allenianas pipocavam de fita a fita, diferentes. Detalhe final de ‘Bananas’: a figuração no metrô, como fortão intimidador, de Sylvester Stallone aos 25 anos.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 24/09/2013
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