Marilyn Monroe
e os títulos de filme "abrasileirados"


Amenidades

Gosto de amenidades. Desconfio que quem passa a vida a discutir somente coisas importantes seja um tremendo chato, desses que não se permitem e criticam quem se permite, por exemplo, ler um gibi sob a sombra de uma árvore no verão, um ato ameno do simplesmente existir. Existir é o essencial, e isso já é um a priori nosso; viver é uma construção individual mediada pelo social. Uma pedra existe tanto quanto nós.

Toda essa filosofia de bar acima (aprecio os bares, as filosofias e a adição popular de ambos) é para dizer que quero tratar de uma amenidade: o “nome brasileiro” que é dado para os filmes estrangeiros. Especificamente aos da Marilyn Monroe nos anos 1950. Primeiro porque percebo os títulos abrasileirados destes um achado do mau gosto e do “nada a ver”; segundo, por serem filmes que eu assisto e conheço bem, o que me permite falar com propriedade sobre. Logo, trata-se de um estudo de caso sobre o tema.

Vamos por ordem cronológica. Don’t Bother To Knock, de 1952, dirigido por Roy Baker, algo como “Não Se Importe Em Bater”, virou o dramático “Almas Desesperadas”. Até que tem a ver com o filme, onde a atriz faz uma doida que cuida (!?) de uma criança. Entrou aqui só por ser o primeiro filme onde usam “alma” no título.

Niagara, 1953, de Henry Hathaway, tornou-se o dramalhão “Torrentes de Paixão”. Na verdade é um filme de suspense-noir rodado nas famosas (e superlativamente belíssimas) cataratas que dão o nome original à película e um toque todo especial a mesma, que se passa em vários de seus pontos turísticos. Marilyn interpreta uma loura literalmente fatal, que trama o assassinato de seu veterano marido em cumplicidade com o seu jovem amante, envolvendo um casal em lua de mel (Jean Peters está linda como esposa!). Recomendo.

River Of No Return, 1954, de Otto Preminger, o “Rio Sem Retorno”, serviu para outro dramalhão como “O Rio Das Almas Perdidas”. Não é uma obra esotérica, nem de terror. É um western rodado na fronteira dos EUA com o Canadá, e o nome original deve-se as fortes corredeiras que os protagonistas tem de enfrentar numa balsa de madeira para fugir dos belicosos índios locais. O cenário é paradisíaco, quase dá para recomendar só por ele.

The Seven Year Itch, 1955, de Billy Wilder, é um grande filme, icônico, de excelente roteiro, engraçado e inteligente. Recomendo 100%. Mas é o pior “nome brasileiro” de todos: “O Pecado Mora ao lado”. Começa que não tem nada a ver com o título original, “A Coceira dos Sete anos”, que trata do período em que os maridos começam a querer pular a cerca vizinha. Mais: o “pecado”, no caso, mora no andar de cima, não ao lado. É com certeza o melhor filme de Monroe, mas Oscar de pior “abrasileiramento” pra ele!

Bus Stop, 1956, de Joshua Logan, de “Parada de Ônibus” passou a “Nunca Fui Santa”. É um filme bom como tomar café preto gelado numa rodoviária no inverno. O título nacional até tem um pouco a ver com o filme, embora não reflita sua temática principal.

Let’s Make Love, 1960, de George Cukor. “Vamos Fazer Amor!” Perfeito! Mas tinham de estragá-lo por aqui: “Adorável Pecadora”. Um novo “pecado” sem “alma”. O filme vale principalmente pelas participações especiais de grandes cantores e dançarinos da época (Bing Crosby, Gene Kelly), contratados pelo personagem de Yves Montand, um ricaço que quer conquistar a loira conseguindo um papel numa peça teatral.

Fico por aqui. Amenidades desimportantes são as dos outros, as nossas não. Que o diga o epistemólogo Edgar Morin, considerado por alguns o maior filósofo ainda vivo, aos 92 anos. Em 1957 lançou o livro “Les Stars”, que saiu em 1980 em Portugal como “As Estrelas de Cinema” e no Brasil, em 1989, como “As Estrelas: Mito e Sedução no Cinema” (capaz que não tascariam "sedução" no título brasileiro do livro!). Filosofia de gente grande, de academia! Tô procurando um “versão física” desses livros. Quem tiver para negócio, só me mandar um email.

Texto publicado na seção de opinião do jornal Portal de Notícias - http://www.portaldenoticias.com.br