Chacrinha (publicado originalmente em 6/8/2013)
A data passou meio no silêncio – incluo-me nisto –, mas é tempo sempre de reabilitar nossas chances de recordar. Há 37 dias, 30 de junho, completaram-se 25 anos da morte de um dos maiores comunicadores da rádio e TV brasileiros. Abelardo Barbosa, Chacrinha, tinha 70 anos. Duas décadas após seu desaparecimento, o diretor e documentarista Nelson Hoineff (de ‘Caro Francis’, 2010) quis, creio, prestar justa homenagem ao Velho Guerreiro e nos apresentou ‘Alô, Alô, Terezinha’ (2009). E por estes dias, no Canal Brasil, calhou d’eu pegar a exibição do filme, de ponta a ponta.
O constatado foi o pior cenário: trata-se dum dos piores trabalhos já realizados neste século. Quem espera assistir a história do homem da buzina se depara simplesmente com um festival de baixezas e mediocridades dos tantos minutos de duração. Hoineff nos apresenta entrevistas com ex-chacretes (até aí, tudo ok) e ex-calouros (idem, ok) da atração exibida nas emissoras Tupi, Rio, Bandeirantes e Globo. Mas é seu lado excomungado, o dos entrevistados, o que torna o documentário um show de humilhações, maus comportamentos e declarações acerca da vida sexual das dançarinas. E se a intenção era averiguar as intimidades das chacretes, que se anunciasse este propósito. A fita engana o público por conta disso.
O apresentador era ciumento? As chacretes tinham relações com cantores, atores? Elas eram, na verdade, garotas de programa? O que fazem hoje alguns dos gongados por Chacrinha, ganhadores do troféu Abacaxi? Um deles diz que Roberto Carlos nada cantava e ele, o calouro, era quem seria um grande nome dos palcos se tivesse tido mais chances. Outra, no momento em que dá sua declaração, é atrapalhada por um bêbado insistente. Das perguntas, os cantores, como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, e o próprio Roberto Carlos, entre outros, esclarecem, ou tentam, estes mistérios acerca das meninas do Chacrinha. E eu pergunto aos leitores: e o que isso interessa sobre o mito, a lenda que se tornou Abelardo Barbosa? Qual razão de querermos saber se a Índia Potira, uma das chacretes, saiu com tal cantor ou se Rita Cadilac ‘ficou’ com aquele ator? Cadê as fotos em preto e branco das rádios, tevês e vida familiar de Abelardo? Hoineff tempera o produto, claro, com depoimentos também que, se ficassem de fora, ele seria crucificado em praça pública: Russo, o ajudante do animador, Florinda, a esposa, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), ex-chefe da Globo, e de Cadilac. O trio permeia traços de Chacrinha, explicam detalhes da personalidade dele, só. Muito pouco prum documentário.
Sou fã de documentário, já escrevi nesses quase dez anos de coluna acerca de muitos deles, e tenho de ser taxativo num determinado ponto: neste estilo de filmagem, o arroz com feijão é o básico e sem isto a realização é comprometida. O Papa dos documentaristas brasileiros, Eduardo Coutinho, faz os trabalhos desta forma. Meses atrás me debrucei em ‘Cabra Marcado Para Morrer’ (1984), tido como o melhor do gênero do país de todos os tempos (e pra mim o é) e a revista ‘piauí’, por meio do cineasta Eduardo Escorel, nos revelou mais sobre ele, e é uma aula de conversação. É fácil estragar a obra quando se quer. É apenas querer rebuscar algo que não precisa. Em ‘Caro Francis’ N.Hoineff faz isso e se dá bem. A película emociona e nos banha com um Paulo Francis inacreditável, relembrando suas polêmicas discussões e atrevimentos. Em ‘Alô, Alô, Terezinha’, o diretor enfia o pé na jaca com o gosto lá para baixo. O mais degradante de tudo não é ver Índia Potira, com os 60 e poucos anos, sem roupa dançando num chafariz no meio duma praça, mas sim custar a acreditar o motivo pelo qual ela quis se expor a tal ridículo. N.Hoineff esculhamba todo mundo, como se ele fosse o novo encarregado de distribuir abacaxis pra o auditório (aos espectadores, diga-se), humilhando-nos ao seu bel prazer.
Chacrinha ainda necessita de um documentário a sua altura, com histórias recheadas de bom humor e, se possível, com revelações incríveis. Em 2017 será o centenário dele. Quem sabe não fazem algo e deem ao animador das roupas coloridas uma digna homenagem. Troféu Abacaxi a N. Hoineff!