Filme “Expresso para o inferno” e existencialismo
 
 
                       
 
            Dirigido por Anmdrei Konchalovsky, russo, esse filme de 1985 relata a fuga de dois homens de um presídio de segurança máxima no Alasca, de modo que fogem pelo esgoto e chegando ao que parecia sua salvação: o trem. Porém a fuga se vê impedida, não por ser um trem sem maquinista, haja vista o mesmo ter sofrido ataque de coração e falecido, mas pelas questões existenciais. O mentor da fuga ensina o jovem boxeador muitas coisas, como a possibilidade de ele cair em uma realidade de ex-presidiário, como trabalhar em coisas sem importância e olhar para o chão. Mas não desistem, ao descobrirem que o trem está desgovernado, pois ainda encontram a empregada de manutenção, Sara, que tem justamente o oposto do comportamento e moral dos ex encarcerados. Sara acredita em milagres e pensa no melhor, que as pessoas vão ajudar e tudo acabará bem. Ingênua, ela acaba por ver o velho e nobre fim shakespeariano. De longe isso também lembra os impasses de Nietzsche, ao longo de suas obras e mesmo a vida de um Kierkegaard, aquele na figura dos presos, e este na de Sara.
         Vemos o fundador do existencialismo ressurgir em obras de outros filósofos, em biografias, e após a fama do autor de O Anticristo, agora vemos Kierkegaard até tendo a si dedicado capítulo em livro de contemporâneo Zizec, com seu materialismo pós-moderno. Mas vemos no trem que anda atropelando as coisas, e desviado por controle de tráfego, e uma empresa moderna de ferrovia, mas o pior vem sempre na contramão: o diretor do presídio. Miraculosamente ele descobre que os dois fugitivos entraram no trem, e assim os vai buscar de helicóptero, entrando na locomotiva e arriscando a própria vida. O diretor do presídio e o preso herói são duas figuras muito parecidas. Ambos têm uma existência mesquinha em julgar os outros, ou perder muito tempo ou mesmo sua vida pela justiça. Viver intensamente era muito coisa de Nietzsche, e vemos em detentos bem essa dinâmica. Mesmo em Sartre percebemos uma indignação com o sistema, com ditaduras e com identificação com o Nada.
         A colisão e sua possibilidade final nos faz pensar em uma outra forma de condenação. O filme assim me levou a pensar na obra Crime e Castigo de Dostoievsky, e o perdão da namorada naquele livro. Também a obra O Processo de Kafka me veio a lembrança, onde o personagem já sabia que estava condenado, apenas não sabendo o porquê. Quando trabalhamos com pacientes vindos de penitenciária, percebemos que eles erraram, mas que muitas vezes não são os monstros que a sociedade pinta. Em especial para os crimes contra patrimônio, o que revela grande problema social. Sabemos que a dificuldade existencial existe para todas as pessoas, em diferentes níveis, mas que para aqueles que infringem a Lei, as coisas são mais duras. O trem do filme é assim uma fatalidade do destino, um eterno retorno daquilo que não se pagou a pena.
         Em expresso para o inferno vemos um ser para o nada. Sabemos que em cada vez que a vida é arriscada para se salvar, os três passageiros intrépidos, conseguem provar que vale a pena viver, em qualquer destino que se siga. Diferente do que disse o diretor do presídio, que eles são um lixo humano, vemos que há sim até certa pena em relação aos condenados. O trem mostra a fatalidade da existência, as crises e dificuldades que existem. Nietzsche desejava dificuldade para os amigos, e odiava o cristianismo por ser muito um consolo para maquiar as dificuldades. Já em Kierkegaard vemos também uma crítica ao culto cristão de seu tempo, e uma visão realista e literal das coisas. Sabemos que o trem do tempo continua andando, e que vivemos em vagões de uma sociedade que tende muitas vezes a descarrilar. Mesmo assim, da mesma forma que os protagonistas do filme, fugimos das prisões que construímos e aceitamos a morte, seja ela quando for. Essa é a grande lição de Manny, o herói desse filme que foi indicado ao Óscar em 1986, como melhor ator. O filme no geral é muito agradável e tem uma série de cenas de ação, e um roteiro muito bem feito, por ser de um japonês, já pronto em 1970. Mas o filme ficou bem feito, e tem muita realidade, sendo o trem algo feio e sombrio, o que dá um toque de realismo sem igual. Um filme que deve ter inspirado o mais recente “Incontrolável”, que já não tem a mesma qualidade e impasse existencial. Um dos melhores filmes que já vi.
 
Mariano Soltys, autor do livro Filmes e Filosofia