Dois Woodys (publicado originalmente em 9/7/2013)

Se você por acaso pretende ir ao cinema em Jacareí ou São José dos Campos para ver filmes bons, sérios, de base e com jus à sua apreciação, esqueça. Estão em cartaz títulos a crianças e outros de catástrofe, daqueles de sair da sala com dor de ouvido e cérebro vazio. Neste feriado, por sinal, um resto de dia de folga de 9 de julho, recomendo dois magníficos trabalhos de Woody Allen. Claro, e é a ele a quem recorro sempre quando me sinto desprotegido de boas fitas ao redor. O cineasta me salva em 100% das vezes. Mas não se engane. Não proporei aquelas histórias de trocadilhos, piadas e mais tantas graças inteligentes de caráter psicológico das quais W.Allen é perito, expert. Sugiro ‘Interiores’ e ‘Setembro’, rodados respectivamente em 1978 e 1987. Inspirados na obra de Ingmar Bergman, de quem Allen é fã, os roteiros tratam substancialmente de mentes perturbadas, culpas escamoteadas e pensamentos infiéis. Ambas as tramas são retilíneas, bem construídas, sem as troças do diretor, ator, roteirista de sucessos premiados como ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’ (1977), ‘Manhattan’ (1979), ‘Rosa Púrpura do Cairo’ (1984), ‘Crimes e Pecados’ (89) e ‘Tiros na Broadway’ (94). Ele é muito bom.

‘Interiores’ foi o 13º trabalho do cineasta e foi indicado ao Oscar de direção e roteiro original, além de atriz (Geraldine Page), atriz coadjuvante (Maureen Stapleton) e a direção de arte. É um filme denso, pesado, de contradições familiares e de sensações estranhas. Estrelado pela própria Geraldine e Dianne Keaton, mostra três irmãs (Dianne, Mary Beth Hurt e Kristin Griffith) com personalidades distintas. Renata (DK) é a escritora de fama, mas com o casamento torto porque o marido também é escritor, mas os brilhos não espocam a ele. Frustrado, desconta amarguras no relacionamento. Joey (MBH) é aspirante a atriz. Conseguiu pequenos papéis em séries de TV apenas, é bonita e indecisa se quer ou não seguir carreira. Já Flyn (KG) ainda não se encontrou. O pai do trio, Arthur (E.G. Arthur), decide se separar da esposa, Eve (GP), mulher atormentada por depressões seguidas. E a partir deste acontecimento, o mundo então de falso cor-de-rosa da família começa a desmoronar. Piora quando o pai apresenta Pearl (Maureen), a nova namorada, esotérica, simpática. Allen está soberbo na direção e redigiu script espetacular que mexe no público e dá nos nossos nervos socos como se eles tivessem segredos irregulares. Tragédias acontecem e o cineasta homenageia Bergman com classe e estilo alto.

Com ‘Setembro’ lembra o poema ‘Quadrilha’ de Carlos Drummond de Andrade. A história se passa em agosto no último dia do verão. A dona de casa Lane (Mia Farrow), o publicitário Peter (Sam Waterson), e mais Stephanie (Dianne West), Diane (Eliane Stritch), Lloyd (Jack Warden) e Howard (Denholm Elliot) passam este dia na casa de campo de Lane, em Vermont. Ela ama Peter. Já ele ama Stephanie. Esta se sente vazia no casamento. Howard, por sua vez, ama Lane. Nesta salada de beijos e paixões está Diane, mãe de Lane, e toda a sua excentricidade e vulgaridade. É no espaço de quartos que se dá a intriga, a vingança, o silêncio e o ódio. Ali os questionamentos e discussões-cabeça têm a chance de procriar. Filosofia e ideias macambuzias brotam em ‘Setembro’ com a mesma rapidez com que somem. A fita teve muitos problemas na feitura. W. Allen detestou a primeira fornada e resolveu refilmar– sim, fazer tudinho de novo. Trocou atores, reescreveu o roteiro e mudou planos de câmera. Na verdade, ele desejava que o filme fosse rodado como peça de teatro, e por isso usou menos closes e cenas extensas. Por pouco não jogou fora a segunda fornada e refilmou de novo. Curiosamente, as interpretações estão estonteantes, mas não receberam a lembrança da Academia de Artes de Cinema.

Se você quer acabar o feriado com bons trabalhos e se sentir aliviado de desenhos animados de qualidades duvidáveis e histórias de explosões, recorra a Woody Allen e ‘Interiores’ e ‘Setembro’. Garanto que jamais se arrependerá. Ao contrário. Procurará mais e mais produções do grande gênio.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 14/07/2013
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