Ponto certo (publicado originalmente em 2/7/2013)
A história é essa: jamais havia ouvido falar no roteirista e humorista Paulo Gustavo. E, claro, tampouco de seu programa no canal a cabo Multishow, ‘220 volts’, onde vivia, em diversas esquetes, muitos personagens. Um deles, baseado na sua própria mãe, falava sobre assuntos como traições em relacionamentos, casamento, filhos etc. Era dona Hermínia, senhora de bobs e pano na cabeça e sem papas na língua. Aliás, não só isso. Dona Hermínia existia antes, desde 2005, quando Paulo estreou no teatro ‘Minha Mãe é uma Peça’. Até este ano estava em cartaz. Não mais está por conta, óbvio, do filme de mesmo nome, que estreou há pouco mais de dez dias. Confesso que tive resistência em ver, e levei a rasteira da ideia. A comédia é boa, Paulo mostra que tem o tempo do humor e estamos diante de uma bela e atrasada revelação (o humorista tem 35 anos). Para a fita, cercou-se das pessoas que já estava acostumado no programa, como o diretor André Pellenz e o também roteirista Fil Braz, ambos estreantes na sétima arte. Ao elenco, experiência. Herson Capri, Ingrid Guimarães, Suely Franco, e, de apoio, Samantha Schmütz, Mônica Martelli e Alexandra Richter. Claro, sem se esquecer dos filhos vividos por Mariana Xavier e Rodrigo Pandolfo, uma dupla muito bem afinada e entrosada em cena.
‘Minha Mãe é uma Peça’, o filme, conta as estribeiras perdidas por dona Hermínia com seus rebentos revoltados. Marcelina é gorda, come sem parar e leva patadas da mãe por conta disso. Com Juliano é diferente, mas nem tanto. Gay enrustido, leva namorados para casa. Há ainda Garib, filho mais velho (Bruno Bebianno). Ele mora em outra cidade com a esposa, detestada pela sogra. Carlos Alberto (Capri) é ex-marido de Hermínia. Trocou-a por Soraia (Ingrid), a quem protagonista chama ‘carinhosamente’ de vaca, uma socialite metida a grã-fina. Um dia, ao apanhar os filhos a ir ao clube, Carlos lembra da ex. Marcelina e Juliano, sem perceber que o celular com o qual falavam com a mãe tinha ficado ligado, usam e abusam de esculachá-la, xingá-la e tudo mais. Dona Hermínia, desolada com o que ouve, resolve se mandar do apartamento onde mora e vai passar um tempo com Zélia, sua tia (Suely). Então, relembra os momentos de felicidade e ternura dos filhos, um a um, como as tantas festas de aniversário regadas a pão com salsicha e as baladas frequentadas por eles, quando precisou ir busca-los altas horas da madrugada. São cenas hilariantes, bem construídas e escritas. Lembram é esquetes dos antigos programas de humor, mas com linguagem do século 21, forrada de calão baixo.
A equipe foi feliz em alguns aspectos. Está claro que a escolha do cast é um deles, mas outro é saber manejar o tempo. Com somente 83 minutos de duração, souberam deixar o exagero no canto e lidar com parcimônia com as piadas. Qualquer deslize nestes casos, ou seja, se arrastassem a trama a cansativo roteiro de duas horas, por exemplo, tudo ia para o brejo. ‘Minha Mãe é uma Peça’ é o típico filme em que inflar páginas a decorar resultaria em fracasso retumbante. O grupo teve esse cuidado e se saiu bem. Não há transbordamentos que achamos em comediantes atuais como Bruno Mazzeo e Heloísa Perissé, para ficar em dois. Escrevi recentemente neste espaço que o humorismo tupiniquim corria riscos, mas existem esperanças como Paulo Gustavo. Não me lembro de quem disse expressão primeiro, mas denominar essa onda de filme cômicos de ‘as novas chanchadas’ é ridicularizar com os trabalhos dos anos 1940, 1950, 1960, lideradas por gente do calibre de Oscarito, Zé Trindade, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, entre outros. Estes foram mestres em seus tempos, vangloriados e exaltados com todas as razões. Coloca-los lado a lado com Leandro Hassum e Marcius Melhem, desculpem-me, mas é até pecado. Um esbarrão totalmente injusto e desleal. Hassum e Melhem concordariam, claro.
Coto ‘Minha Mãe é uma Peça’ como bom. Nele, tudo se afina, se ajeita. Inexistem deslizes por querer ultrapassar limites. Dona Hermínia é um acontecimento por ela mesma. E o público adora-a.