A soberba e a sutileza (publicado originalmente em 11/6/2013)
Segunda-feira da semana passada, 3 de junho, se estivesse vivo, o jornalista, empresário e escritor Mário Filho completaria 105 anos. E isto representa muito ao país, pois Mário plantou várias sementes e delas brotaram frutos relevantes. Nem todos sabem, por exemplo, ter sido dele a ideia de se avaliar e dar prêmios a escolas de samba do Rio de Janeiro, nos desfiles, ainda na década de 1920. De espinha, coração e família de jornalistas – filho de Mário Rodrigues e irmão de Nelson Rodrigues, para se ter noção – anexou-se no setor de esportes no jornal do pai, ‘A Manhã’, ramo inexplorado em periódicos. Revolucionou a interpretação dos jogos de futebol, esporte que amava. A linguagem dele é referência até hoje, além das coberturas rebuscadas, com desenhos, detalhes, informações. A Mário é atribuída a criação da expressão ‘Fla-Flu’. Labutou nos anos 1930 ao lado de Roberto Marinho, de quem comprou o ‘Jornal dos Sports’ em 1936. Então o Rio ganhou os Jogos Infantis e da Primavera e o futebol, o Torneio Rio-São Paulo. Tudo criado por Mário Filho. Outras modalidades, como o turfe e as regatas, mereceram do jornalista apreço especial. Nelson, exímio inventor de apelidos e frases de efeito, chamou o irmão de ‘o criador de multidões’, pela capacidade de Mário de reunir gente em prol do esporte nos tantos eventos anunciados por ele. E o dramaturgo acertou na mosca, mais uma vez.
Para celebrar o aniversário dele, o Canal Brasil exibiu também semana passada ‘Mário Filho: O Criador de Multidões’ (2010), de Oscar Maron. O documentário homenageia o escritor contando a história do futebol, com imagens de partidas dos anos 60 e 70, trechos de livros dele e depoimentos de tipos como o cronista Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues e o jornalista esportivo João Máximo. Existem pouquíssimos registros de Mário Filho em vídeo, pra não dizer que no filme aparece apenas dois, onde ele autografa um de seus livros, e ao lado do irmão autor de ‘A Vida como Ela É...’. Porém, o valor do jornalista esportivo se dá a mais horizontes. O estádio do Maracanã tem o seu nome e foi a autêntica batalha da primeira metade do século. Como a Copa do Mundo estava confirmada para ser no Brasil, em 1950, erguer o estádio na capital federal era questão de honra. Carlos Lacerda, sempre ele, o ‘demolidor de presidentes’, concordou com a feitura, mas o queria em ponto diferente. E Mário pelejou para que o monumento fosse construído onde realmente foi. E o sucesso do Maracanã foi tal que o batizaram posteriormente de ‘Estádio Jornalista Mário Filho’. O livro ‘O Anjo Pornográfico’, de Ruy Castro, aborda uma parte substancial de Mário, mas é verdade que falta ser feita uma biografia séria dele. Mário Filho representa uma porção digna do esporte mais popular do Brasil e do planeta.
No documentário de Maron (morto ano passado, de infarto, aos 56 anos), destacam-se alguns de seus escritos, como ‘O Negro no Futebol Brasileiro’, de 1947, prefaciado por ninguém menos que Gilberto Freyre. A fita, entretanto, peca ao não passar acerca da morte de Mário. Dentre as diversas tragédias que assolaram o clã dos Rodrigues, o desaparecimento do jornalista não poderia figurar em outro patamar. Aos 58 anos, em 1966, ele falava ao telefone quando deixou o aparelho cair. Já estava morto, fulminado por um infarto. O Rio de Janeiro parou para se despedir de Mário Filho. Célia, sua esposa, com quem ele se casara em 1926, aos 18 anos, nada suportou o falecimento do companheiro e cometeu suicídio meses depois. A morte de ambos causou um baque tremendo em Nelson, que ano a ano via a família minguar. Ademais, o legado deixado por Mário foi de magnitude ímpar. Antes de qualquer coisa, o jornalista era um homem apaixonado pelo que fazia, e o fez até os últimos suores de vida. ‘Mário Filho: O Criador de Multidões’ lhe dá devido crédito, mas poderia ir mais além. Aqueles cabelos ruivos, olhos expressivos e a atividade maníaca pelo jornalismo, marcas registradas do irmão de Nelson Rodrigues, transformaram Mário Filho num monumento do Brasil. E nem posso esquecer dos charutos, enquanto Nelson fumava cigarros. Mário era a soberba disfarçada e Nelson, a sutileza.