Uma Reflexão sobre o Filme "Marido Por acaso"

"O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o principio decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida."

Fernando Pessoa

Sinopse do Filme: A Dra. Emma Lloyd (Uma Thurman) possui um programa de rádio de sucesso, onde dá conselhos sentimentais. Emma defende sempre o amor racional, apresentando suas teses em seu livro recém-lançado, "Amor Real". Um dia Sofia (Justina Machado), uma de suas ouvintes, liga para o programa e pede conselhos sobre o relacionamento com Patrick Sullivan (Jeffrey Dean Morgan), seu namorado. Emma defende que ela termine o namoro, conselho seguido por Sofia. Patrick ouve o programa pelo rádio e, a partir de então, passa a querer dar o troco em Emma. Para tanto ele conta com a ajuda de Ajay (Jeffrey Tedmori), seu vizinho adolescente, que consegue modificar os dados cadastrais de Emma. Ajay modifica os dados para que ela e Patrick sejam agora casados. A ideia não agrada nem um pouco a Emma, que está prestes a se casar com Richard Bratton (Colin Firth), seu editor.

Este filme é uma sátira sobre a diferença entre o Amor Romântico e o Amor Real.

"O amor romântico é o maior sistema energético dentro da psique ocidental. Na nossa cultura, é — mais ainda que a própria religião — a arena em que homens e mulheres tentam conseguir transcendência, plenitude, êxtase e sentido para a vida.Como fenômeno de massa, o amor romântico é pe­culiar ao Ocidente. Estamos tão acostumados a convi­ver com as crenças e as suposições do amor romântico, que o consideramos como a única forma de “amor” que pode gerar casamento e relacionamentos verdadeiros. Achamos que o amor romântico é o único “verdadeiro amor”. Mas existem muitas outras coisas a este respeito que podemos aprender do Oriente. Nas culturas orientais, como a da índia ou a do Japão, constatamos que os casais se amam com muita cordialidade, muitas vezes com uma devoção e uma estabilidade que desconhecemos. O amor romântico não é apenas uma forma de “amor”, mas é todo um conjunto psicológico — uma combinação de ideais, crenças, atitudes e expectativas. Essas ideias, frequentemente contraditórias, coexistem no nosso inconsciente e, sem que percebamos, dominam nossos comportamentos e reações. O amor romântico não significa apenas amar alguém; significa “estar apaixonado”.É um fenômeno psicológico muito peculiar. Quando estamos “apaixonados”, acreditamos ter encontrado o verdadeiro sentido da vida revelado num outro ser humano. Sentimos que finalmente nos completamos, que encon­tramos as partes que nos faltavam. A vida, de repente, parece ter atingido uma plenitude, uma vibração sobre-humana, que nos ergue acima do plano comum da existência Para nós, estes são os sinais seguros do “amor verdadeiro”. Este conjunto psicológico inclui uma exi­gência inconsciente de que o nosso amante ou cônjuge nos alimente continuamente com esta sensação de êxta­se e de emoção intensa." Eduardo Marcondes[1]

Como Emma teve uma referência paterna negativa, ela tenta desesperadamente se afastar de qualquer sinal de instabilidade , característica tão conhecida no universo da paixão.E pela intelectualização ela busca homens que não a magoe e ofereça a ela relacionamentos "seguros", ainda que desprovido de uma legítima felicidade.

É reconhecido como importante o papel do pai no desenvolvimento da criança e a interação entre pai e filho é um dos fatores decisivos para o desenvolvimento cognitivo e social, facilitando a capacidade de aprendizagem e a integração da criança na comunidade . A experiência clínica tem mostrado que, na vida adulta, as representações dessa vivência insurgem nas várias possibilidades de construção psicoafetiva, com repercussão nas relações sociais"Gomes AJ, Resende[3]

Não repetir o modelo masculino recebido faz com que ela se dedique também a escrever um livro sobre o Amor Romântico confundido com amor real. Nesse processo de escolha do objeto de desejo, encontramos vários mecanismos de defesa.os quais são transferência, projeção ,repressão, etc.Mas considero apenas dois mecanismos dignos de ser destacado: a Intelectualização que afasta Emma de sentimentos que a ameacem, e a sublimação que direciona seus impulsos inaceitáveis para uma atividade construtiva

"Intelectualização é uma tentativa de evitar a expressão de emoções reais associadas a uma situação de estresse pelo uso dos processos intelectuais da lógica, raciocínio e análise(...) Enquanto, sublimação é redirecionar os impulsos que são pessoal ou socialmente inaceitáveis para atividades construtivas" Paulo Fernando M. Nicolau[2]

Em seu programa na rádio Emma ajuda as ouvintes a entenderem que o amor não tem nada a ver com a paixão que incendeia, e tira a capacidade de raciocínio. Até o dia que ela conhece Patrick Sullivan, um bombeiro que vai fazê-la entender o que é ser incendiado de verdade.

O modelo paterno tem um papel estruturante e essencial na formação da vida afetiva de uma mulher.Dessa matriz se parte para relacionamentos que poderão ser construtivos ou não.Emma é um caso clássico em que escolhe o modelo inverso ao modelo paterno e tenta se livrar daquilo que não suporta construindo pressupostos teóricos para se defender de tudo que a ameaça.

”A metáfora de uma prisão psíquica pode dramatizar em excesso a maneira pela qual é possível cair em armadilha geradas por formas assumidas de raciocínios”(Gareth Morgan, pag, 165)

Alguns teóricos acreditam que construímos convicções e crenças ao longo da nossa vida em função de inquietações, angústias e medos inconscientes.E por ironia, elas podem se tornar prisões psíquicas, de onde o seu criador pode não ser mais capaz de sair.

Esse fenômeno acontece porque o inconsciente é um fio condutor das construções psíquicas e sociais , as quais dão ao seu criador a capacidade de gerar teorias, construtos científicos; criar organizações e formas de gerenciamento, formar culturas organizacionais , leis e filosofias Isso acontece como uma espécie de respostas á partir de demandas e inquietações inconsciente, angústias e medos. É necessário uma constante reflexão sobre que temos construído ao longo de nossa vida, seja a vida pessoal ou organizacional

Neste caso ter um marido como seu pai seria um erro,então ela busca o modelo oposto.Além desse esforço para se distanciar de qualquer perigo, ela é se tornou uma doutora em relacionamentos afetivos.Doce Ironia. Escreve um livro sobre relações amorosas ,á fim de sustentar sua teoria que a protege de qualquer envolvimento que a torne vulnerável.Essa teoria embasa seu relacionamento afetivo sem graça e dentro de um padrão seguro, onde seus sentimentos poderão ser controlados facilmente.O que ela não espera é se deparar com o um lindo acaso, um perfeito imprevisto programado , chamado Patrick Sullivan.

Michel Foucault disse uma vez:"Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir"

Patrick ,então, entra em cena para desempenhar esta função de "estranhamento". Ele foi a porta de contato com um universo inconsciente cheio de defesas bem elaboradas e construídas sob a luz da ciência,mas felizmente ela foi salva de si mesma por um tipo de homem que ela sempre considerou um modelo de príncipe desencantado.Suas armadilhas foram descobertas , seus pressupostos questionados, suas certezas começaram a fazer tanto barulho que ela preferiu o desconforto do não saber.

A gestalt diz que o momento da paixão é uma confluência,onde não parece existir fronteira de contato como outro. A psicanálise explicaria como sendo uma sensação de prazer parecida com mãe-bebê. Então eu e você parece ser um, e durante um período de tempo não enxergamos nenhuma diferença.

"Quando somos surpreendido pelo que não percebíamos, não conhecíamos, o encontro se configura revelação, descoberta, conhecimento; é o encontro sem prévio, sem busca: apodítico. Descortina-se outra configuração, outra realidade, outra vivência: paixão pelo encontrado, pelo descoberto.É o caos, o conflito ou a imensidão do ser-com-o-outro no vórtice que transcende limites, regras e padrões.."Vera Felicidade

Mas a ciência já provou que as substâncias liberadas no cérebro quando nos apaixonamos tem efeito passageiro.A psico-adaptação faz com que o prazer se torne cotidiano, e o casal terá que descobrir novas formas de obter satisfação.

"Psico-adaptação é a incapacidade da emoção humana sentir prazer ou dor frente a exposição do mesmo estímulo.Cada vez que o estímulo se repete a pessoa se adapta a ele, e se "psicoadapta" , diminuindo inconscientemente a emoção que ele gerava anteriormente... " Augusto Cury (A Pior Prisão do Mundo)

A psico-adaptação tem a desvantagem de que , com o passar do tempo a pessoa se torna insensível , pois perdeu a capacidade de sentir o mesmo afeto e o fato repetitivo se torna um tédio, ,uma rotina levando á angústia e solidão. Esse é o momento da desilusão da qual se refere Fernando Pessoa .A diferença de consistência e promessa de futuro esta no enfrentamento desse desmoronamento de ilusões. Segundo Renato Dias Martino "Um relacionamento perigoso pode ser aquele, em que existe um contrato não verbal de dependência. Onde um impede o outro de crescer, porém, sem que isso seja percebido com nitidez ...Se existe alguma imunidade a este tipo de relação , ela só pode depender da maturidade emocional, isso equivale à capacidade de conhecer-se e respeitar-se a si mesmo. Isso é o que podemos chamar de sabedoria....inteligência é saber do outro e a sabedoria é saber de si mesmo. Quem aprendeu respeitar-se a si mesmo não permitirá que outro o desrespeite "

Nem todos estão preparados para se desfazer de suas ilusões, nem todos estão disposto a pagar o preço da realidade.P or isso,um dos motivos que leva um pessoa a romper o relacionamento nesse momento é a necessidade compulsiva, que ela possui de experimentar mais e mais os efeitos da euforia que a paixão produz.Algumas pessoas não querem a paz de uma relação estável . Isso ocorre , em muitos casos,em casos de dependência psicológica onde pessoa prefere buscar uma outra paixão.

Mas o relacionamento duradouro é aquele que teceu uma relação com o material da criatividade, da inteligência e da fé esperançosa e em sua oficinas; costurando novos trajes, renovando os vínculos desgastados e refazendo as alianças no chão da amizade romântica, que abrirá espaço para novas experiência de prazeres, que serão descobertos na mesma proporção da disposição de ser sempre um novo casal todos os dias.

Patrick e Emaa tem muito a se iludir,mas eles também tem um componente que poderá fazer o amor se sustentar: a paixão. Então acredito na paixão como energia para um futuro relacionamento de amor . Um sem o outro pode ser um equívoco. Mas nem sempre um andarão o tempo todo lado a lado .Em geral eles se revezam para se sustentarem .Ninguém consegue ficar sem paixão a vida toda.Mas ninguém consegue ficar ligado na tomada da paixão para sempre. Um é coadjuvante do outro.Ambos são personagens da mesma história,mas a paixão tem que saber a hora de entrar em cena, e o amor tem saber se posicionar como o protagonista que escreverá o final da história

Por Rosangela Brunet

[1 OMito do Amor Romântico. ]http://eduardomarcondes.wordpress.com/2010/04/08/o-mito-do-amor-romantico/

[2]Paulo FernandoM.Nicolau.Psiquiatria ,Psiquiatra da página MentalHealth http://www.mentalhealth.com.br/enfermagem/mecanismo_defesa.htm

[3]Gomes AJ, Resende VR. O pai presente: o desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Psic.: Teor. e Pesq. 2004;20(2):119-25.

[4] Vera Felicidadehttp://psicologiaemjardins.blogspot.com.br/2013/06/paixao.html

Rosângela Brunet
Enviado por Rosângela Brunet em 07/06/2013
Reeditado em 07/06/2013
Código do texto: T4330114
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