Buscadores de qualidade (publicado originalmente em 28/5/2013)
Cannes está aí. A nova versão de ‘Bonitinha, mas Ordinária’, rodada em 2009 e lançada só na semana passada, também. Mais um Nelson Rodrigues. Em São Paulo, capital, nesta semana acontece a mostra de filmes sobre sustentabilidade, relação entre homem e natureza. Marina Silva arrepia-se. Até poucos dias atrás, na mesma cidade, houve um festival de cinema francês. Enquanto tudo isto aí pipoca, aqui em Jacareí a rede de salas exibe ‘Velozes e Furiosos 6’, ‘Homem de Ferro 3’, ‘Somos Tão Jovens’, ‘O Último Exorcismo: Parte 2’, ‘Reino Encantado’ e ‘O Massacre da Serra Elétrica: A Lenda Continua’. Nada tenho contra estas obras, mas tudo tenho. O cinema 3D, antes tachado de inovador, límpido, de imagens espetacular, infelizmente está com o piso cheio de sabão. Um tiquinho falta para este sistema ser estragado por completo, tantas são as ignorâncias postas na tela no formato. Aliás, o critério para se usar o 3D sumiu: hoje qualquer filme – repito, qualquer – expõe a terceira dimensão ao público. E não citarei aqui os casos de ânsias de vômito por respeito ao leitor. Antes, somente um ou outro era o roteiro que ‘exigia’ os óculos escuros. ‘Avatar’ (2009), por exemplo. Vamos lá, versões novas de ‘Titanic’ (1997) e ‘O Rei Leão’ (1994) também, pelo impacto, novidade, brilhantismo. E fim.
Somos obrigados a engolir os longas-metragens da estirpe dos do parágrafo anterior não aqui apenas, pois o complexo de exibição está da mesma forma em São José dos Campos. Recuso-me a ir à poltrona assistir uma história que por antecipação sei ser ruim, de mau gosto. Minha esposa chega a me confrontar: ‘Vai para escrever que o filme é ruim.’ Aí está o dilema. Ir com a expectativa toda já armada, como as pegadinhas do João Kleber, não é bom. É como folhear a ‘Veja’ sabendo que ranços parciais estão ali, ou assistir a ‘Malhação’, ver filmes do Jackie Chan etc. Isto é ‘ansiedade produzida’.
A desgraça é estarmos perdendo tempo com bobagens ao invés de aproveitarmos a encher a nossa bagagem com momentos valiosos, como ler ‘piauí’, cantarolar ‘Como Nossos Pais’ baseando-se em Elis Regina e sentar no sofá domingo a noite para ver Silvio Santos. E aqui incluo uma dica pra se passar bem estes dias: ‘Frankenweenie’ (2012), animação em stop motion de Tim Burton que esteve entre os cinco finalistas da categoria no Oscar e perdeu injustamente para a mediana, para não dizer fraca, ‘Valente’. Na trama, Victor é um garoto que ama fazer filminhos de terror, e em quase todos é o seu cão Sparky a estrela. O animal morre atropelado. Triste e inconformado, e inspirado pela aula de ciências da escola, onde o professor mostra ser possível estimular movimentos pela eletricidade, ele monta uma máquina para reviver Sparky. Dá certo, mas com as consequências horripilantes que Tim Burton brinda-nos a cada trabalho seu. Assim como na maioria de seus filmes, o terror dá as mãos ao encanto e à graça, à pena. Temos dó do protagonista do mesmo modo de ‘Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet’ (2007) e ‘A Noiva Cadáver’ (2005, outro stop motion). ‘Frankenweenie’ nos salva das produções atuais. Burton é o diretor que sempre esperamos que lance o próximo trabalho.
O tom salvador para quem não quer assistir a ‘Velozes e Furiosos 6’ e nem pode ir ao Reserva Cultural é a internet. Baixar películas tem sido a solução àqueles buscadores de qualidade, como eu. Jamais podemos ver a caravana passar enquanto os cães ladram. É a enésima vez que escrevo sobre o estrago em que está se transformando a exibição do cinema. ‘Frankenweenie’ é uma das réstias de luz na sétima arte qualificada. Nunca me conformarei com este tipo de porcaria. É como a tirinha que li: ‘Escreverei um livro.’ ‘Melhor não. Ninguém lê mais de 140 caracteres. Faça o filme. As pessoas ainda vão ao cinema.’ ‘Boa! Farei um filme.’ ‘Seu filme terá explosões?’ ‘Não.’ ‘Puxa vida. Então desiste vai.’