No! (publicado originalmente em 21/5/2013)
Os filmes latinoamericanos mal desembarcam por aqui. Mesmo o crescente, elogiado cinema argentino pipoca acolá e engrena de pontos difíceis no país. Somente em polos culturais, leia-se São Paulo, por exemplo, as exibições ocorrem. Não é por acaso, então, que ‘No’ (2012), rodado no Chile, tenha ficado muito encostado, em esparsas salas da capital do progresso. Concorrente no Oscar deste ano como filme de língua estrangeira, era o único capaz de pelo menos fazer cócegas em ‘Amor’ (12), o vencedor. No roteiro de Pedro Peirano está o plebiscito chileno de 1988, quando o ditador Augusto Pinochet inquiriu a população sobre seu ‘reinado’: pararia ou seguiria? É necessário abrir parêntese e explicar o contexto histórico. Pinochet governava desde 1973. O presidente era Salvador Allende e ele foi derrubado pelo general, chefe das Forças Armadas, com o pretexto da instalação do comunismo. Acuado, suicidou-se. Era época das ditaduras militares nas nações sulamericanas. Passos 15 anos de mortes, torturas e censuras, a comunidade internacional começou a pressionar Pinochet e ele aceitou realizar o plebiscito. Caso perdesse, sairia. Para tanto, convocou a televisão às propagandas que, de certa forma, serviria ao ‘horário político’: havia a campanha do ‘sim’ e do ‘não. A opinião era as ruas.
Gael García Bernal (‘Diários de Motocicleta’, 04) é René Saavedra, publicitário da campanha do ‘Não’. Na verdade trata-se de personagem fictício num enredo real. Saavedra precisa lidar com o emaranhado de situações, como traições, deserções, mentiras e decepções. Parceiros eram tentados a cair em subornos, mutretas e o protagonista, além de manejar o casamento desastrado com um filho a tiracolo, enxerga naquele tumulto político uma brecha de sobrevida, de esperança. Como água, era claro que os asseclas pinochetistas atirariam com todas as armas, literalmente, a aplacar a campanha para derrubar a ditadura. A fita é rica em exibir os bastidores das ideias e também em mostrar vídeos reais de depoimentos de intelectuais, artistas e educadores, todos contra Pinochet. Filmado em tintas granuladas, ‘No’ faz-nos crer ter sido feito nos anos 1980, igualmente pelo movimento de câmeras de nervos à flor da pele. A publicidade é estampada na tela como jamais foi na história do cinema. E os diálogos, capítulos à parte. Se você deseja se inteirar da linha pensante da América Latina da ‘década perdida’, como frisam os economistas, é imperioso assistir a ‘No’. Dá até a comparar o movimento da campanha do Não aos cara-pintadas no impeachment do ex-presidente Fernando Collor lá em 1992.
Filmes políticos estão na minha lista de predileções. ‘Z’ (1969), de Costa-Gavras, é o ícone de professores de história, por exemplo. ‘A Batalha de Argel’ (1966), outro. ‘No’ com certeza passa para o rol. Por agora, completo a explicação do plebiscito. O ‘No’ ganhou por margem grande de votos e o governo de Pinochet, antes resistente, teve de sair, escorraçado, em 1990. Dos países principais, em 1985 acabara o militarismo no Brasil e dois anos antes o argentino. Mas ‘No’ descortina emblemas. O da verdade é um deles. Às vezes pode ser escamoteada, porém aparece devido a lutas populares. A da censura é mais um totem. Por mais que tentem, na maioria das vezes as lacunas surgem e o povo fica à mercê das descobertas. A película de Pablo Larraín tem várias qualidades além desta. Os atores são bem protegidos pelo tema e em alguns instantes ficam diminuídos por ele, menos Bernal. É ele quem dá oxigênio à história e a composição de época está magnifica. Não à toa, Bernal tem sido paparicado e se tornou, ao longo dos últimos tempos, um dos atores mais consagrados da sétima arte. Ver ‘No’ é contribuir para idealização de cinemas melhores. Filmes políticos precisam vir mais à tona, sempre.