Essa falta de ousadia (publicado originalmente em 14/5/2013)
Década de 60, pequena ilha na costa da Nova Inglaterra. Nada acontece ali. A não ser um tal grupo de escoteiros sem perspectivas. Nele está Sam (Jared Gilman). Tímido, desajeitado, não tem a figura do rapazinho garboso e educado. O garoto tem revoltas. É sozinho na vida, por exemplo, e nem 15 anos atingiu. Agora, Suzy (Kara Hayward). Seus pais Walt (Bill Murray) e Laura Bishop (Frances McDormand) são mandões. Suzy é outra insubordinada. Acontece que Suzy e Sam se conhecem num dia. Ela está na peça de teatro da escola. Ele é o espectador. Sam vai ao camarim e, duma forma ágil, se gostam. Começam a trocar cartas regularmente. Mas as correspondências não satisfazem. É muito medíocre o cotidiano, pensam. O casal tem a ideia, então, de fugir. Deixam tudo para trás. Mas nada é moleza. Logo Walt e Laura sentem falta de sua rebenta, assim como o capitão Sharp (Bruce Willis) e o escoteiro-chefe Ward (Eward Norton) sentem do menino. Todo o pessoal parte para reaverem os fujões. É, mais ou menos, o roteiro de ‘Moonrise Kingdom’ (2012), o filme do diretor Wes Anderson.
O texano Anderson, 44 anos, é conhecido por trabalhos considerados estranhos e bizarros. ‘O Fantástico Senhor Raposo’ (2009) e ‘Os Excêntricos Tenenbauns’ (2001) são suas produções, para se ter ideia. Criativo à flor da pele, o cineasta costuma filmar histórias não-genéricas, ou simplesmente aquelas que costumam trazer um público mais cativo aos cinemas. Com ‘Moonrise Kingdom’ (pode-se traduzir algo como ‘O Reinado da Lua’) o caminho se repete. Os personagens Sam e Suzy não são convencionais por não terem os rostos límpidos da moda. Mas Kara é linda, por sua vez. Dela são os principais momentos da trama, especiais. Em todas as cenas que ela divide com Gilman, ganha. Até o quando a moça contracena com veteranos como Frances e Murray, se sobrepõe, de certa forma. Mas engana-se quem pensa ser apenas a jovem atriz a brilhar no longa. Willis, Norton, Murray e Frances também estão firmes. Pelo filme durar apenas 94 minutos, parecem participações especiais, quando, na verdade, trata-se de uma contribuição magnífica. Certamente ‘Moonrise Kingdom’ perderia toda a sua espinha-dorsal se o elenco de apoio fosse formado por profissionais desconhecidos. Não vingaria.
Não posso esquecer de Tilda Swinton. Ela está na pele da assistente social que ajuda Sharp a resgatar Sam. Esta atriz tem um semblante retilíneo, nariz afinado, e parece ter nascido para fazer as personagens sérias. Tilda é fraca no humor. Recomendo ‘Orlando: A Mulher Imortal’ (92), ‘Conduta de Risco’ (07) e ‘Adaptação’. De McDormand, ‘Fargo’ (1996). De Murray, ‘Encontros e Desencontros’.
Tanto Gilman como Kara estrearam com este trabalho, que concorreu no Oscar 2013 como o roteiro original. A derrota para ‘Django Livre’, de Quentin Tarantino, não deslustra excelência desta obra. Pelo contrário. Chega a ser irônico e Anderson é perito em ironias. ‘Moonrise Kingdom’, aliás, é recheado com piadinhas. Não conto aqui pra não estragar as risadas. Mas percebam os escoteiros na fita. Se você achar que estão ridicularizados, reflita um pouco mais. Ward, o líder deles, igualmente é espanado. Claro, Anderson faz o que faz por inteligência, sarcasmo e retorno, mesmo que raro. Pode soar como heresia, mas por uns minutos de ‘Moonrise Kingdom’ pensei em Nelson Rodrigues e suas tragédias. Porém, o sentimento logo passou. Isto porque o desfecho do filme nada tem de choroso ou calamitoso. E nisto Anderson peca. É incrível a capacidade destes cineastas ditos ‘da moda’ de jamais quererem inventar. Percebam que me refiro a um realizador criativo – ‘O Fantástico Senhor Raposo’ é um ‘cult’ bacana. Talvez para consentir uma pitada com o público, Anderson regride. E vai demais.