Na Europa com Woody (publicado originalmente em 30/4/2013)
Nos primeiros meses de 1996, talvez para comemorar os 60 anos de vida (atingidos no mês de dezembro de 1995), a banda de jazz de Woody Allen decide transitar por 18 cidades da Europa em 23 dias. A turnê é totalmente registrada pela documentarista Barbara Kopple. O resultado: o perfeito ‘Um Retrato de Woody Allen’ (o título original, ‘Os Homens Selvagens do Blues’). Durante quase 100 minutos, imagens até então inéditas da intimidade do cineasta nova-iorquino. Allen na piscina com o calção de banho parecido com um saco de batatas; Allen febril, manhoso com a gripe e se esforçando para cumprir o compromisso do show; Allen e Soon-Yi Previn, esposa dele, reclamando da omelete servida no café da manhã; o casal com problemas com um chuveiro que teima em não esquentar (as muitas tomadas de Soon-Yi com roupão, o antigo penhoar, por pouco não me comoveram), e tantas outras, fazem parte deste longa-metragem com alguns tons: ora homenageia, ora explora, ora quer a confidência mais provável possível do ator-diretor-roteirista-comediante. Ele tem receio em descer a entrada do hotel, pois uma multidão o aguarda nas ruas. Pela cortina, espia as centenas de fãs e fica atônito, sem saber o que fazer... Nota-se que a companheira Previn é a sua conselheira de mão cheia.
Kopple foi esperta. Aproveitou as deixas do casal e realizou o trabalho excepcional, inclusive extraindo declarações apaixonadas. ‘Antes, quando nossa união era só polêmica, evitava beijá-la em público, fazer qualquer carinho. Isso passou. Agora quando pedem, a gente se beija’, diz um W. Allen enamorado, bobo, beirando o infantil. A frase é dita com ambos se entreolhando. Entre estas pitadas de romance, passeamos por Milão, Londres, Madri, Paris etc. O criador de ‘Annie Hall’ está cada vez mais boquirroto: ‘A parte mais desgastante é receber os presentes dos prefeitos, ter de conversar com eles.’ Em instantes, parecemos ver em cena o Boris Grushenko nos anos 90. Ele debocha dos garçons e faz troça dos demais para agradar Soon-Yi. Nas apresentações, cada plateia vê a Jazz Band de uma forma. Num show, participam, contagiam. Noutro, em outra cidade, todos acanhados, tímidos. Tem de ouvir que o público ‘foi ótimo’ pelo organizador do espetáculo. Concluímos que Woody Allen está com a razão na rabugice disfarçada. E sabemos também que a coreana Soon-Yi, 23 anos incompletos, é em determinados momentos mais segura a Allen. Após controvérsias (foi adotada aos sete anos por Mia Farrow e André Previn– Mia casou-se com Allen, ele se envolveu com Soon-Yi) tudo ficou calmo.
Quais os motivos de o cineasta querer se expor aos 60 anos? Pode ser o mesmo que o levaram a aceitar rodar ‘Woody Allen: Um Documentário’ (2012), de Robert B. Weide: descrença na sua vida como pop star, artista cheio de estrelas em volta. Querer mostrar o real dia a dia é uma artimanha de grau inferior, comparada às tramas recheadas de imbróglios destacadas da carreira dele. Neurótico e pessimista ao extremo, vemos em ambos os filmes que Allen pertence à nossa classe, a dos humanos comuns e normais, por incrível que pareça. Tanto Kopple como Weide usam-no como pedestal. No caso da fita do ano passado, depoimentos como os de Diane Keaton e da irmã Letty Aronson atestam tal tese. Um ponto em comum em ambos é a entrevista com os pais de W. Allen, Nettie (1906-2002) e Marty (1900-2001). O fato de ter estado com os pais vivos até os 65 anos fez com que ele tivesse um comportamento estranho. É bom lembrar que a época da morte dos pais é a que ele faz as suas piores fitas em anos– ‘Trapaceiros’, ‘O Escorpião de Jade’, ‘Poucas e Boas’ etc. Claro, nada de péssimos, mas em se tratando de quem é, aquém da capacidade desejada, aguardada. Allen é surpreendente, não é?