Pena e ira (publicado originalmente em 23/4/2013)
Ao ver o elenco de ‘O Mestre’ (2012) previ outro bom argumento de Paul Thomas Anderson, cineasta à frente de destaques como ‘Sangue Negro’ (2010), ‘Boogie Nights– Prazer sem Limites’. Em compensação, recordei de ‘Magnólia’ (1999), também realizado por ele e sobre o qual entendi pouca coisa, para não dizer coisa alguma. A trama do ano passado versava acerca de Freddie Quell (Joaquin Phoenix) e seus delírios de aleivosia. Marinheiro da Segunda Guerra, é traumatizado por tudo o que viu em combate e em consequência tem arroubos de violência e ataques de ansiedade. Mas quer ter a vidinha simples de volta. Tenta ser fotógrafo. Fracassa. Despeja as frustrações nas bebidas e o álcool eleva a demência. Um dia, acaso, esbarra na palestra de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder duma seita religiosa denominada ‘A Causa’. O homem é perito na lábia, convence a todos à sua ideia de rever o passado para consertar o presente, além das curas espirituais e o autocontrole. Peggy Dodd (Amy Adams) é a esposa do pastor, a sua confidente e auxiliar nos momentos mais dramáticos.
Nessas nossas atualidades com Felicianos, Jeans, Danielas e Bolsonaros um filme como este vem a calhar. Isto se ‘O Mestre’ tivesse resultado num bom programa. Anderson dirigiu e roteirizou e caprichou demais na feitura. Tenho de ter cuidado para escrever isto, pois aprimorar a esmo pode ser do mesmo modo prejudicial. E ele fez isso. O efeito é devastador. ‘O Mestre’ é um longa-metragem de quase 2h30 de duração e parece, ao passar dos minutos, arrastar-se como aquela lesma que persegue a tartaruga. Parecem existir muros entre o trio principal de atores (Hoffman, Adams e Phoenix) e os três se batem nos diálogos. Não há a contracena. É engraçado constatar tal fato com profissionais tão gabaritados. Porém, é a verdade. O diretor deve ter confundido-os com um script desajeitado, em até certo ponto arrogante. Há quem elogie a fita, claro, mas não eu... As atuações, que bem poderiam ser boas, pelo menos, nem isso são. ‘O Mestre’ foi danoso aos envolvidos e será comprovado para frente.
Tem hora, como quando vi o filme, que fico com ódio do cinema hollywoodiano. Mas ele não é o culpado. Penso nisto e a ira transforma-se em pena. Quem Anderson queria parodiar, ou plagiar com ‘O Mestre’? Chico Anysio inspirou-se em Jim Jones para o seu Tim Tones, caricatura fenomenal de religiosos corruptos. Se você não ligou um ponto ao outro, ate-os. Fanatismo é o alvo do cineasta. Óbvio. Tenho desgosto por este tipo de parte religiosa e aplaudiria o filme se ele fosse bem rodado. O que escrevo aqui são críticas a esta sétima arte de ‘O Mestre’ e não às orações de quem quer que seja.
Por incrível que pareça, vá lá, refugo para Phoenix. O ator teve problemas recentemente, com aparições estranhas em programas de TV e declarações igualmente esquisitas, mas exerceu – e foi o único a fazê-lo – dignamente o seu papel como o perturbado rendido à devoção tresloucada. Recebeu a indicação ao Oscar de ator, mas perdeu ao extraordinário Daniel Day Lewis, por ‘Lincoln’. Hoffman e Adams receberam indicações como coadjuvantes, imerecidas. Aliás, Hoffman dificilmente atingirá a eficiência de ‘Capote’ (2005), quando, no papel-título, o do jornalista Truman Capote, arrebatou as multidões, levou vários prêmios, entre eles o da Academia. Adams, por sua vez, é uma coitada. Linda, porém coitada. Dentre suas dezenas de realizações, somente um bom: ‘O Vencedor’ (2010), pelo qual esteve entre as concorrentes a coadjuvante. Participou de ‘Dúvida’ (2008), mais uma história ótima, entretanto está em uma ponta. Já J. Phoenix tem no currículo títulos do porte de ‘Gladiador’ (2000) e ‘Johnny & Junne’ (2005), mas buracos como ‘Sinais’ (2002) e ‘A Vila’ (2004). ‘O Mestre’ entrará na segunda porção. E tomara que P. T. Anderson se calibre com intensidade mais baixa da próxima vez.