A audácia de Hunt (publicado originalmente em 16/4/2013)
A atriz Helen Hunt atua desde pequena e agora, aos 50 anos, refresca-se. Na televisão, sala da maioria dos triunfos, brilhou na série ‘Louco Por Você’ como Jamie. No cinema, ‘As Sessões’ (2012) é o seu terceiro trabalho fora da manga. Lembrar-se dela como a insegura garçonete Carol em ‘Melhor é Impossível’ (97) ou a mandona Betty Fitz no woodyalliano ‘O Escorpião de Jade’ (2001) é saber da sua tardia passagem pelos tapetes vermelhos. Hunt estourou veterana e isto lhe deu cancha. Pode ter sido esta confiança de nada dever a ninguém o motivo de a atriz topar o convite do diretor Ben Lewin a rodar ‘As Sessões’. A história é a de Mark O’Brien (John Hawkes, de ‘Inverno da Alma’ – 2010), um escritor e poeta vitimado ainda na infância pela poliomielite. A doença o fez perder seus movimentos do corpo, com exceção da cabeça. Consciente, precisa de um ‘pulmão de aço’ para passar boa parte de seus dias. Encucado com a sua vida, visita cotidianamente a igreja para papear com o padre Brendan (William Macy, de ‘Fargo’ –1996). O’Brien, porém, tem o problema: desconhece o sexo e quer porque quer ter uma relação antes de morrer. Cheryl (Hunt), terapeuta sexual, entra para ampará-lo e faz o enfermo se deparar com emoções, tensões inéditas. O caso é que O’Brien é apaixonante, galanteador.
A atriz acatou o script e como uma boa profissional encarnou a personagem. Cheryl despe-se na frente de estranhos, os pacientes, com a mesma desenvoltura com que toma café. ‘Estou aqui para te ajudar’, ela diz ao poeta. O impressionante é o despojamento de Hunt frente as câmeras. E, dos 48 aos 49 anos, época das filmagens, ela se garante. Cenas de nus frontais são comuns em ‘As Sessões’ e chega um instante no qual nós, espectadores, estamos, tais como O’Brien, acostumados a ver Cheryl em pêlo. O diferente neste ponto é a relevância da atriz sobre Hawkes, cuja dificuldade para dar vida ao escritor foi inacreditável, comparado à saga de Daniel Day Lewis em ‘Meu Pé Esquerdo’ (1989), ou de Mathieu Amalric n’ ‘O Escafandro e a Borboleta’ (2007). Mesmo com esta interpretação insana e ao igualmente bela, Hawkes não supera a generalidade e a leveza de Hunt. Lewin soube manejar bem as sequências de maior ousadia e acertou no tom sóbrio e maduro. Escândalos ficam à parte neste ‘As Sessões’. Acredito ter sido a direção capaz dele que alçou Hunt a disputar o Oscar de coadjuvante (ela ganhara por ‘Melhor é Impossível’ o principal). Mas os votantes estavam inebriados com ‘Eu Sonhei um Sonho’ de Anne Hathaway e deram-na a estatueta por ‘Os Miseráveis’ (2012). E merecidamente.
Sabe-se que ‘As Sessões’ é baseado em fatos reais. Mark O’Brien escreveu em 1990 um artigo acerca de sua experiência com o tratamento. Em 99 ele morreu, a poucos dias de completar 50 anos, e era ainda amicíssimo de Cheryl (a terapeuta está com quase 70 anos, é casada há 40). O escritor era também advogado e trabalhou pelas causas dos deficientes. ‘As Sessões’ logo ao entrar em cartaz viu o cult bater-lhe à porta e se transformou naqueles típicos sucessos de boca a boca. E é fácil imaginar o porquê: boa dupla protagonista, o carisma de H. Hunt e a história curiosa, chocante e avassaladora.
Ao se comparar os três personagens da atriz, citados no primeiro parágrafo, é evidente a alta validade de Carol. Nada supera Jack Nicholson como parceiro, diga-se. Ela estava no lugar certo na hora adequada. Com Woody Allen, o segredo era o roteiro imaginativo do cineasta. Allen é neurótico e bom escritor, e em ‘O Escorpião de Jade’ Helen Hunt debruçou-se delicadamente nas falas. Trata-se de uma comédia escrachada e impudica e ela soube aproveitar o diretor. Com Lewin, ela se soltou. A idade fez bem a Hunt e a prova é sua realização audaciosa, de se sobrepor a Hawkes. Atirar elogios a esta cinquentona seria ‘chover no molhado’. Temos a impressão de que a atriz nem está aí para isto.