Quantas Mayas (publicado originalmente em 9/4/2013)
A morte de Osama Bin Laden em 2 de maio de 2011 pegou o planeta de calça curta. Ou quase todo ele, a se pensar nos EUA como estrategista e já sabedor do ocorrido. Pelo menos surpreendeu a diretora Kathryn Bigelow. A cineasta rodava ‘Kill Bin Laden’ há alguns meses e a história mostrava as tramas para assassinar o mandante do 11 de Setembro. E então o barbudo de dois metros de altura se foi. Agora o script de Mark Boal teria de ser alterado. Assim nasceu ‘Zero Dark Night’, ‘A Hora Mais Escura’ no Brasil. O título original refere-se à hora na qual se supõe da morte de Bin Laden, mais ou menos meia-noite. Romantismos à parte, temos aqui a fita mais fria das nove indicadas ao principal prêmio do Oscar 2013. O gelo tem nome: Maya, a chefe das operações de caça ao terrorista, vivida de forma magnífica pela atriz Jessica Chastain. É por meio dela todo o desenrolar deste drama noturno.
As cenas iniciais dão o sabor do resto do longa: num galpão escuro, mal cheiroso, alguém está ali para responder a perguntas. Claro, é um dos aliados de Bin Laden e Dan (Jason Clarke), o agente americano, aplica no preso as mais variadas opções de dor, a fim de conseguir pistas. Maya observa a violência passivamente e tem-se a impressão de que sofre com aquilo, ou angustia-se de certo modo. Dan e ela saem e ele pergunta se Maya deseja seguir olhando. ‘Sim’, diz. E a dupla retorna ao front. A película, evidentemente, não se prende a estes gestos. Bigelow e Boal, parceiros também no ‘Guerra ao Terror’ (2009– premiado como melhor filme no Oscar), armam uma história complexa e difícil de se entender, mas que no fim das contas faz todo sentido. Intrigas, traições e dúvidas sobre as pessoas supostamente de confiança são chaves essenciais para se entender muito bem ‘A Hora Mais Escura’.
A diretora usa igual artimanha para defender o seu trabalho: os múltiplos instantes de tensão pura na tela, onde o espectador espera nervosamente que aconteça algo de muito grave (explosão ou alguém ser pego etc). E esses momentos chegam. Na medida em que os minutos avançam– e são 157, ou seja, 2h37 de duração – a personagem de Chastain parece sofrer uma mutação de coragem, ou ser aplicada nela uma injeção de braveza. O seu semblante se altera. Em nada lembramos da frágil Celia, de ‘Histórias Cruzadas’ (2011). A ruiva de olhar terno deixa de existir para dar vez a uma mulher cujo destemor nos assusta. K. Bigelow e Boal parecem ter achado a pessoa certa para o papel, pois é muito difícil imaginar qualquer outra atriz à frente de Maya. Não à toa ela foi indicada ao Oscar. A derrota a Jennifer Lawrence (quem deveria ganhar era Emmanuelle Riva–‘Amor’) não deslustrou sua imagem.
Causou estranheza, idêntico a Ben Affleck e ‘Argo’ (2012), a ausência de Kathryn Bigelow nos finalistas da categoria ‘diretor’ da Academia. Em 2009 ela foi laureada com o troféu e esquecida três anos mais tarde. Ex-esposa de James Cameron (de ‘Titanic’, 1997, e ‘Avatar’, 2009), a diretora parece ter se estranhado com os membros votantes por abordar o assunto tão controverso, a ponto até de o Pentágono entrar no meio para investigar os rumos do filme. O centro desta disfunção toda recai nas cenas derradeiras, na casa onde Bin Laden estava refugiado e foi capturado e morto. São minutos de alto grau de inquietude e, de forma incrível, de silêncio. Os disparos acontecem, há uma gritaria com formas de murmúrio e, enfim, mata-se o causador das desgraças estadunidenses. É uma reposta boa ao terror? Isto quem deve explicar são os políticos. Sobre cinema em si, há de ser aplaudido tudo ali.
‘A Hora Mais Escura’ rendeu elogios. Mostrou a força feminina. Ousou em por no vídeo tema tão trágico. Entretanto, acima de tudo, existem bons atores pra uma boa fita. A diretora e o roteirista nos ensinaram leveza por meio de morte. Quantas Mayas estão espalhadas por aí? Um viva a Jessica.