Pedras nas costas (publicado originalmente em 2/4/2013)
Há a tese sobre a quantidade de patrões: quanto mais gente manda, põe a mão, a chance de o projeto, qualquer um, tropeçar, é grande. No cinema, evidentemente, existem exceções, mas este não é o caso de ‘Os Miseráveis’ (2012), realização do diretor Tom Hopper (‘O Discurso do Rei’, 2010) com quatro – sim, são quatro – roteiristas responsáveis: William Nicholson, Alain Boublil, Claude-Michel Schönberg e Herbert Kretzmer. Nicholson foi o manda-chuva. Os três restantes, com idades variadas entre 70 e 87 anos, participaram com ênfase na parte musical. O resultado foi as quase três horas de duração de cantoria esbaforida. Só pela pesquisa no site imdb.com, ‘Os Miseráveis’, contando com a fita do ano passado, possui cinco produções para cinema (a primeira em 1935) e quatro para a TV, no formato de seriado. Não sou fã de refilmagens. Tampouco de refilmagem de refilmagens. Acredito na eternização de personagens. Um exemplo que sempre dou: nunca mais alguém encarnará Superman como Christopher Reeve. Ponto final. Dois: jamais outro ator atingirá magnitude de Jack Nicholson na pele do Coringa (Heath Ledger foi bom, mas nem tanto). Assim, somente por um motivo todo este pessoal insiste em refilmar tramas de outrora: a grana. Com astros hollywoodianos a tarefa fica fácil.
Estrelas do porte de Hugh Jackman (o Wolverine de ‘X-Men’), Anne Hathaway (mulher-gato do último ‘Batman’), Amanda Seyfried, Russel Crowe (‘Gladiador’, 2000), Helena Bonham Carter (a cotidiana musa de Tim Burton) e o intrépido Sasha Baron Cohen (‘O Ditador’, 2012) compõem o cast da obra. Porém, algo saiu errado. ‘Os Miseráveis’ resultou numa película arrastada, pesada e insossa. O fato de Tom Hopper optar por gravar as vozes dos atores ‘ao vivo’, na hora em que atuavam, e não gravadas em estúdio, prejudicou o drama. Outro ponto negativo se dá precisamente nas melodias. A cada fala, como ‘me passa o açúcar’, ou ‘feche a porta, por favor’, os artistas cantavam e choravam ao passo de desmaiarem da emoção. Exagero puro. É necessária parcimônia nesta hora. Excederam-se e se deram mal. Ao assistir ao filme, me senti como se carregasse pedras pesadas nas costas ao subir o morro do desespero. Todavia, nem tudo é cem por cento ruim. O que falar sobre a sequência em que Hathaway entoa ‘Eu Sonhei um Sonho’? A devoção da atriz é impactante e emociona até insensíveis. Ela perdeu peso, cortou os cabelos no estilo ‘Joãozinho’ e se deixou ficar feia, algo que a Academia de Artes ama. A consequência foi óbvia: Oscar de coadjuvante, e Hathaway era a melhor do ano de fato.
A história se passa na Revolução Francesa do século 19. Jean Valjean (H. Jackman) rouba um pão para alimentar a irmã mais nova e é preso. Solto, tenta recomeçar a vida e se redimir. Ao mesmo tempo em que tenta fugir da perseguição do inspetor Javert (Crowe). Neste ínterim esbarra em mãe e filha, Fantine (Hathaway) e Cosette (Seyfried), apavoradas por comida. A primeira não resiste e Jean promete cuidar da segunda. O conflito do país estoura, pessoas morrem, as músicas se acumulam e o espectador se cansa. H. Carter e S. B. Cohen fazem o casal de trambiqueiros. Papéis menores, mas de bastante intensidade e humor. E se Hathaway mereceu o troféu, não entendi porque Jackman esteve na lista de melhores atores. Sem convencer, apenas relembrou a parceria do Oscar-2009 com a atriz. ‘Os Miseráveis’ também levou os Oscars de maquiagem e mixagem de som, e concorreu em direção de arte, filme, canção original, figurino. ‘O Discurso do Rei’ se revela, apesar de igualmente razoável, de mais qualidade a ‘Os Miseráveis’. T. Hopper derrapou com o musical por pretender coisas demais. No frigir dos ovos, temos a nova obra de prateleira, resguardada nas locadoras de antanho. E só isso.