Rolos e acasos (publicado originalmente em 26/3/2013)
Dos nove indicados a melhor filme, esta coluna ainda não abordou três: ‘Argo’, ‘A Hora Mais Escura’ e ‘Os Miseráveis’. À medida que as semanas passarem, o segundo e o terceiro aparecerão por aqui. Hoje ‘Argo’ é bola da vez. O ganhador do principal troféu da noite de 24 de fevereiro colecionou polêmicas e dúvidas por seu conteúdo e as consequências pelas indicações recebidas. Pessoas do Irã tacaram pedras, impropérios e lama no longa-metragem. Como ‘Geni’, ‘Argo’, eu notei, foi bom de se cuspir, pois exalava americanismo aos quatro ventos. A história, encampada em fatos reais, mostra o esquema de fuga de seis diplomatas dos EUA refugiados na casa de um embaixador canadense após a invasão da embaixada do Tio Sam, provocada por iranianos. Explica-se: o aiatolá Khomeini chegou ao poder em 1979 e o país está em ebulição – o antigo xá, ditador escabroso, recebeu asilo político na terra de Jimmy Carter, apoiadora de seu governo de opressão; as ruas do Irã são alvo de protestos e um deles acontece na embaixada dos EUA. Os diplomatas ficam meses escondidos, no maior sigilo, e a CIA (Central de Inteligência Americana) busca o meio para resgatá-los, sem que morram aos tiros.
Tudo começa a se arrumar com a ideia de Tony Mendez (Ben Affleck) de realizar um filme de fachada e, assim, colocar os escondidos como produtores e retirá-los do país. Mestre em exfiltrações, T. Mendez intitula a obra de ‘Argo’, produção de ficção científica embarcada nos sucessos de ‘Guerra nas Estrelas’ (1977) e ‘A Batalha do Planeta dos Macacos’ (1973). Lester Siegel (Alan Arkain) e John Chambers (John Goodman), respectivamente produtor e maquiador de Hollywood, o auxiliam neste processo. Óbvio, as locações de ‘Argo’ seriam as paisagens desérticas do Irã. Inicialmente arriscada, a operação de resgate tem ressalvas, descrenças e medos. Aos poucos, os exilados não têm mais como recusar, já que a situação deles fica insustentável. Resta a confiança, abarcada por levas de otimismo.
Affleck, além de diretor, é um dos produtores, ao lado de, por exemplo, George Clooney. Não se sabe até agora os motivos pelos quais a Academia o deixou (Affleck) de fora da lista dos indicados a diretor. ‘Argo’ é bem dirigido, tem suas limitações, porém segue a trilha regularmente. Chegar a ser ‘Amor’ (2012) é impossível, todavia o papel é bem feito pelo cineasta de ‘Gênio Indomável’ (1997) e ‘Atração Perigosa’ (2010). Este último fica atrás de ‘Argo’ em qualidade e interpretação, aliás. Causou estranheza, para não dizer indignação, a ausência de Affleck entre os indicados para melhor diretor, repito. Não que ele fosse o melhor, mas soaria normal pela sua porção de bom moço. Do cast destaco Arkain– concorrente dos coadjuvantes– além do próprio Affleck, também limado do quinteto de ator no Oscar 2013 (os indicados foram Denzel Washington, Daniel Day Lewis, Hugh Jackman, Joaquin Phoenix, Bradley Cooper –o poria no lugar de Jackman). Dos demais, nada de mais. Foi tudo médio.
Desde 1989, com ‘Conduzindo Miss Daisy’, o ganhador do Oscar de filme não tinha o diretor indicado. ‘Argo’ saiu da cerimônia com três troféus – filme, roteiro adaptado e edição. ‘As Aventuras de Pi’, realização pior do que ‘Argo’, ficou com quatro, dentre elas a de diretor para Ang Lee. Apesar de ter ‘americanizado’ o desfecho da película, o script de ‘Argo’ soa mais como inocente a esperto. No enrolo entre os rolos do filme e os acasos posteriores, para dar impressão de coisa rodada na década de 1970, Affleck filmou com material comum, aumentou em 200% as imagens para aumentar os seus grãos e cortou quadros pela metade. Agudez de profissional. E ele deve ter realmente um belo futuro.