O voo: apologia ou condenação do alcoolismo?
Assisti ao filme “o voo”, com Denzel Washington, no papel de um piloto comercial, Whip Whitaker, viciado em drogas e alcoólatra. No início do filme, deixa-se evidente sua condição, mostrando-o no quarto de hotel, com várias garrafas de bebida e se drogando, antes de ir para o aeroporto assumir o comando de uma aeronave, contendo 102 pessoas a bordo. Enfrentam uma turbulência, o que o faz recomendar que não haja o serviço de bordo. Nesse ínterim, ele dá um jeito de consumir duas garrafinhas de bebida. Conseguem passar pela turbulência e o avião é colocado em piloto automático. Ele dorme. É acordado pelo co-piloto, apavorado com o que está acontecendo com a aeronave. Ela está perdendo altura e logo começa a despencar, com o bico para baixo. Whip, mostrando sua extrema capacidade, adota um procedimento não ortodoxo, colocando o avião de cabeça para baixo, fazendo-o ficar novamente na horizontal e depois voltando ao normal, com ele planando, até pousar em um campo, longe de residências. Morrem 6 pessoas: 4 passageiros e 2 tripulantes. Se não fosse por ele, todos teriam morrido.
Já no hospital, vemos Whip recusando as bebidas e as drogas oferecidas por seu amigo e fornecedor. O primeiro pensamento é considerar que ele se arrependeu e não irá mais colocar álcool ou drogas em seu corpo. Mas isso é mais uma mentira. Ele só está fazendo isso para “limpar” o corpo, pois sabe que será investigado. Mas o que ele não esperava é que ao entrar no hospital, já teriam retirado amostra de seu sangue e feito a análise, a qual confirmou alto teor alcoólico e presença de drogas. E aí o que ele faz? Para na primeira loja de bebidas, compra várias latas de cerveja e sai dirigindo seu carro, bêbado!
O sindicato contrata um advogado que consegue tornar sem efeito o laudo do exame de sangue inicial. Ele é considerado um herói. Mas a investigação continua (afinal estamos nos EUA e não no Brasil). Ele procura as pessoas que irão depor na comissão de investigação, tentando convencê-las a dizer que ele estava normal antes e durante o voo, que não notaram indícios de alteração nele. A comissária acha engraçada a história que ele conta, pois o conhece há tempos e sabe que na noite anterior ele não ficaria apenas em um copo de vinho. O co-piloto, saído do coma, lhe diz que notara que ele estava bêbado, mas que não irá falar isso no depoimento, pois sente que Deus está lhe reservando algo maior.
Os investigadores encontram as duas garrafas de bebida e estranham ela estar vazia, já que ele havia ordenado a suspensão do serviço de bordo.
Ele irá depor. Ele bebe. Ele é alcoólatra. Ele vai morar com o amigo do sindicato e consegue ficar dias sem beber. Na véspera do seu depoimento, é levado para um quarto de hotel, por esse amigo e pelo advogado e fica com um leão de chácara na porta, para impedir sua saída. Ele abre o frigobar e só há água e refrigerantes. Mas a porta que dá acesso ao quarto ao lado está aberta e ele entra lá. O quarto está vazio. O frigobar está cheio de bebidas alcoólicas. Ele pega uma garrafinha, abre e após alguns segundos de dúvida, coloca-a em cima do frigobar. A câmera fixa na garrafa e o som acompanha-o se afastando. Pensamos que ele conseguiu resistir, mas logo aparece a mão dele agarrando a garrafa. Na manhã seguinte, seu amigo e seu advogado o encontram no chão do banheiro, desacordado e com todas as garrafas vazias! Está tudo perdido, ele não conseguirá depor naquele estado! Mas aí vem a solução mágica: seu fornecedor é chamado e lhe dá cocaína para cheirar. O suficiente para tirar o efeito do álcool e deixá-lo desperto e autoconfiante.
Ele vai para a sessão da comissão. A presidente da comissão mostra uma simulação feita com diversos outros pilotos altamente capacitados, onde nenhum deles conseguiu repetir o feito dele. Em todas as simulações o final é catastrófico. Na segunda etapa a presidente começa a questionar o piloto sobre sua vida e envolvimento com bebidas e drogas. Ele afirma categoricamente que nunca bebeu e nunca se drogou. A presidente busca uma explicação para as duas garrafas vazias encontradas no avião. Traz à tona o passado de uma das comissárias que morreu, após salvar uma criança: era alcoólatra, participava de um programa da empresa. Certamente foi ela que ingeriu a bebida. Nesse momento o piloto começa a perceber que somente sairá ileso, com a condenação de sua parceira. E somente nesse momento há um lampejo de consciência e força de vontade nele, que acaba admitindo que bebeu antes do voo, durante o voo e que está bêbado naquele momento.
Na cena seguinte, ele está dando um depoimento, estilo “alcoólatras anônimos”. Vemos que está usando um uniforme de presidiário. Foi condenado pelas mortes ocorridas no acidentes, mas se sente “um novo homem” por ter tido a coragem de admitir seu vício/doença.
Após duas semanas de ter assistido a esse filme, eu ainda não formei uma opinião sobre ter ou não ter gostado do filme. Algumas coisas me incomodam nessa história:
1. O personagem de Denzel Washington é extremamente arrogante e auto-suficiente. Sabe que é bom e sabe que é melhor ainda quando bebe e se droga: apologia à bebida e às drogas?
2. Ele é extremamente frio e egoísta, pois agiu de caso pensado, ao se afastar das bebidas em razão de um suposto futuro exame. Se ele tinha força de vontade suficiente para se afastar nesse período, por que não fez isso nos outros momentos?
3. O filme dá a entender que você pode encher a cara quando quiser, pois basta cheirar uma trilha de cocaína depois, que você ficará totalmente sóbrio.
4. Pesquisaram a vida pregressa da comissária morta e ninguém pesquisou a vida do piloto? Ninguém sabia que ele era alcoólatra? Difícil de engolir.
5. Ele e somente ele foi capaz de fazer o que fez – bêbado e drogado? Nenhum outro piloto, por mais capacitado e treinado, foi capaz de repetir a manobra por ele adotada e que salvou quase todos que estavam na aeronave? Qual a mensagem transmitida? Somente bêbado e drogado uma pessoa é capaz de fazer o que ele fez?
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Ficha técnica:
Título original: the flight
Ano de produção: 2012
Diretor: Robert Zemeckis
Atores: Denzel Washington e John Goodman
Duração: 138 min