Um Amor para o Oscar (publicado originalmente em 26/2/2013)
Se houve algum merecedor dos troféus na noite de anteontem e por pouco não saiu de mãos abanando, esse foi ‘Amor’. A história impressionante dos dois velhinhos concorria a quatro prêmios e saiu com o mais óbvio, o de filme estrangeiro. ‘No’ poderia ser a surpresa, mas, como bem disse José Wilker na transmissão da Globo, cada vez mais sabemos com antecedência os ganhadores do Oscar. É bom ser claro: a culpa não é do principal prêmio do cinema. Ela recai sim sobre os demais eventos.
São nos dias antecedentes do Oscar que ocorrem festas de sindicatos, grupos especializados e afins, incluindo aí o Globo de Ouro. ‘Amor’ faria jus a melhor sorte, porém os idosos votantes ficaram com medo de galardoarem a fita cujo mote espelha as próprias vidas deles. Ver-se na telona deve ser estranho. ‘Valente’, a pior das cinco animações, conquistou a estatueta, assim como o ‘Aviãozinho de Papel’ não era o melhor dos curtas de desenho. Nos técnicos, ‘As Aventuras de Pi’ saiu do teatro com efeitos especiais e fotografia. ‘Anna Karenina’, bom trabalho, mas mais do mesmo cinemão de época, ficou o Oscar de figurino. Ressalto aqui a premiação a maquiagem de ‘Os Miseráveis’ e o empate de ‘A Hora Mais Escura’ e ‘Skyfall’ em edição de som. Só duas vezes, 1931 e 1968, a Academia declarou categorias com rigorosamente igual número de votos, para se ter ideia do quão raro são os empates.
Nos seis postos centrais, quase nada de se falar ‘oh!’. Christoph Waltz (‘Django Livre’), Anne Hathaway (‘Os Miseráveis’), Daniel Day Lewis (‘Lincoln’ – o filme foi o perdedor da noite) e Jennifer Lawrence (‘O Lado Bom da Vida’) eram barbadas (o tropeço de Lawrence nas escadas foi hilariante!).
Fiquei contente com o Oscar de roteiro original a ‘Django Livre’. Q. Tarantino ama cinema, é cinéfilo, fã de quadrinhos e mereceu. O adaptado ficou com ‘Argo’, talvez mesmo o melhor. Ang Lee foi o melhor diretor (‘As Aventuras de Pi’) porque os votos devem ter ficado divididos com a ausência de Ben Affleck entre os finalistas. A Academia parece estar em crise de relação com Steven Spielberg, o mais bem preparado dos cinco (Lee dirigiu os efeitos visuais, não os atores). Já o aguardado Oscar a ‘Argo’ veio, melhor produção, o que deixa claro que 2012, como os anos anteriores, não foi o ano de um só trabalho, pois o longa, além de melhor filme, levou ‘somente’ prêmios de edição e o de roteiro.
Isto diz a respeito de peneirar os troféus. Ergue-se o melhor. Mas talvez não. O recorde deste ano ficou para Lewis. Levou o terceiro ouro em papéis principais, superando a lenda Jack Nicholson, com dois Oscars por protagonistas e um por coadjuvante. E como ano passado levantaram a bola da França, com ‘O Artista’, balancearam agora com americaníssimo ‘Argo’. Ver Adele cantando ‘Skyfall’ foi gratificante, assim como a passagem de Barbra Streisand. A homenagem aos 10 anos de ‘Chicago’ mostraram a Catherine Zeta-Jones ainda em forma. De volta a ‘Skyfall’ e aos 50 anos do 007, queria ver todos os intérpretes do agente juntos no palco, mas a Academia de Artes não conseguiu este feito.
Citei Nicholson acima e volto agora. Faço minhas as palavras de Rubens Ewald Filho: ‘Puxa, que prazer revê-lo.’ De fato, o eterno J. J. Gites de ‘Chinatown’ em abril chega aos 76 anos, não havia aparecido os recentes Oscars, nem quando o apresentador foi seu compadre Billy Crystal, em 2012. Por falar em apresentar, Seth MacFarlane, o comandante de anteontem, é bem a cara de Hollywood do século 21: sarcástico, travesso e mordaz. Ousou em provocar estrelas e fugiu das piadas prontas.
A Rede Globo, como de costume, chutou os telespectadores fãs de cinema e começou a exibir a cerimônia com 1h25 de atraso. É muito difícil a eles adiantarem o Fantástico e o Big Brother. Seria falir na certa. Quando o Oscar era as segundas-feiras, a emissora cumpria o mesmo expediente: era a ‘Tela Quente’, depois o prato principal. Absurdo. A TNT, com Rubens Ewald Filho, precisa contratar já tradutores simultâneos – não dá para sobrecarregar o crítico de cinema com as funções múltiplas.
A 85.ª edição do Oscar saiu-se ilesa. Repito: ‘Amor’ tinha de ter um destino além do que teve.