Clichês que encaixam (publicado originalmente em 5/2/2013)
A receita é a seguinte: rapaz fortão, engaiolado num sanatório por estar depressivo, pois a sua esposa o deixou, o patrão o demitiu e a família é o pandareco; o tal esbarra na moça com os mesmos, e talvez piores problemas que ele– viúva, tem pensamentos suicidas e se vinga se prostituindo; assim a dupla se relaciona e tem uma meta a atingir, para, então, desfechar como todos, aliviados, esperam.
Agora você, leitor, pensa: já vi isso antes, mas não lembro o nome do filme. Posso ajudá-lo. A aposta recairia sobre ‘Melhor é Impossível’ (1997)? Quem sabe. Há ‘Um Dia de Cão’ (1975). Será este o morador de sua memória? Veremos. Porém, ‘O Lado Bom da Vida’ (2012), nas salas desde sexta, é o açúcar destas obras citadas, digamos. Contém os caras amalucados de Jack Nicholson e Al Pacino. Lá estão ainda musas de encontros fortuitos, Helen Hunt e Chris Sarandon (a relação homossexual de Sonny – Pacino). O ingrediente-segredo de ‘O Lado Bom da Vida’ são traumas dos protagonistas.
Pat (Bradley Cooper – ‘Se Beber, Não Case’, 2009) é o neurótico e carente. Tiffany (Jennifer Lawrence – ‘Jogos Vorazes’) está como a ‘desinibida do Grajaú’. Cada qual perdeu, com diferentes e estúpidas maneiras, seu respectivo cônjuge e precisa lidar com a situação de forma ao menos sutil. O moço resolve isso na terapia e o psiquiatra Patel (Anupam Kher) ajuda. A garota devolve suas raivas à dança. Precisa ensaiar para o campeonato do fim do ano. Os anteriores ela ganhara com o parceiro falecido. Agora, precisa de um novo. Quem se habilita? Claro, Pat. Mas há uma troca. Ele aceita fazer este papel se Tiffany entregar uma carta à ex-esposa, para tentar uma sonhada e doce reconciliação.
Dirigido por David O. Russel (‘O Vencedor’, 2010), ‘O Lado Bom da Vida’ tem seu lado forte não no casal principal, mas no casal secundário, formado por Robert DeNiro (de ‘Touro Indomável, 1980) e Jackie Weaver (‘Reino Animal’, 2010). Aliás, um lado forte de Russel semelhantemente ao ocorrido em ‘O Vencedor’, com Melissa Leo e Christian Bale. Estes ganharam Oscars de coadjuvantes e DeNiro e Weaver estão indicados este ano. Será repetição da sina? O ator e a atriz têm concorrentes à altura: Christoph Waltz (‘Django Livre’), Sally Field (‘Lincoln’) e Anne Hathaway (‘Os Miseráveis’).
‘O Lado Bom da Vida’ é rodeado de clichês. Por mais incrível que pareça, eles se encaixam. O trabalho da direção foi bem feito, desta maneira a obra funciona regularmente. Cooper pela primeira vez na carreira tem uma história boa nas mãos. Deixou comédias rasas como ‘Penetras Bons de Bico’ (2005) e ‘Armações do Amor’ (2006) para trás e se deu bem no personagem. Jennifer, por seu lado, é a nova queridinha de Hollywood. Tem 22 anos, é linda e com talento de sobra. Sem dúvida, por anos estará marcada por ‘O Inverno da Alma’ (2010). Difícil superar. O tempo dirá, e sua sorte também, se será mais Katniss e Raven (personagens em ‘Jogos Vorazes’ e ‘X-Men’) ou Ree de ‘Inverno da Alma’.
Todos ficaram surpresos com a enxurrada de indicações de ‘O Lado Bom da Vida’, pra alguns típico filme de sessão da tarde. Além de estar na final de melhor filme e atores coadjuvantes, também disputa prêmios de diretor, roteiro, ator e atriz. As chances de levar as estatuetas estão, creio eu, nas mãos de DeNiro e do roteiro. As demais categorias serão puras zebras. Dá a impressão de que todos os eleitores velhinhos da Academia de Artes, como diz Rubens Ewald Filho, insistem em galardoar as tramas leves nos scripts, como se deu com ‘Pequena Miss Sunshine’ (2006) e ‘Juno’ (07). A mudança é a originalidade destes dois longas. ‘O Lado Bom da Vida’ é repetitivo, mas atinge os seus objetivos.